Drauzio Varella

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Médico cancerologista, foi um dos pioneiros no tratamento da AIDS no Brasil. Entre outras obras, é autor de "Estação Carandiru", livro vencedor do Prêmio Jabuti 2000 na categoria não-ficção, adaptado para o cinema em 2003.

Opinião

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Efeitos indesejáveis

A classe nova de drogas para o controle glicêmico em diabéticos tem causado problemas gastrointestinais em quem as usa para emagrecer

Foto: IstockPhoto
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Emagrecer sem estar doente nunca foi fácil. Restringir continua­damente o número de calorias ingeridas é empreitada árdua que abate até os mais fortes.

Quando os sensores existentes no cérebro detectam a diminuição dos estoques de gordura no tecido adiposo, provocada pela redução do aporte calórico, o cérebro entende que a sobrevivência está ameaçada, caso o processo não seja detido.

Aciona, então, diversos mecanismos: reduz a energia gasta em repouso, isto é, aquela consumida pelo corpo para exercer as funções vitais que são independentes da nossa vontade (respirar, digerir, fazer o coração bater, pensar etc.). Ao mesmo tempo, facilita a formação de gordura (lipogênese) e reduz o processo de ­degradação dos lipídeos (lipólise), entre outras reações metabólicas.

Esses mecanismos ocorrem em silêncio nos subterrâneos do inconsciente. O único ao alcance de nossa percepção é a fome, estratégia que o organismo engendrou para não ousarmos deixá-lo sem energia.

A fome é um instinto mais poderoso do que a sede: é mais fácil resistir à desidratação do que à inanição. A dieta hipocalórica adotada com o rigor mais espartano tende a sucumbir diante da fome gerada por ela.

Há anos a medicina luta para controlar o apetite daqueles que precisam e pretendem perder peso. Com exceção da cirurgia bariátrica, os tratamentos disponíveis sempre apresentaram resultados pífios. Os medicamentos desenvolvidos pela indústria farmacêutica nas últimas décadas foram pouco eficazes e cheios de efeitos indesejáveis.

Agora estamos diante de uma nova classe de drogas, os agonistas do receptor GLP-1, desenvolvida para o controle da glicemia em casos de diabetes, mas capazes de provocar perdas que podem chegar a 15% ou 20% do peso corpóreo.

Essa ação paralela causou um aumento vertiginoso nas vendas desses medicamentos para pessoas sem diabetes, interessadas apenas em perder peso. Hoje, esse contingente representa a maioria dos usuários, muitos dos quais compram as medicações por conta própria e se tratam sem receber orientação médica.

O uso indiscriminado dos agonistas do GLP-1 permitiu documentar uma série de efeitos colaterais que precisam ser conhecidos por quem vai recebê-los. Os mais limitantes são os que acometem o aparelho digestório (gastrointestinal).

Estudos com pequeno número de pacientes com diabetes já haviam documentado um aumento do número de casos de pancreatite, cálculos biliares, obstrução intestinal e retardo do esvaziamento gástrico (gastroparesia).

Acaba de ser publicada no ­Journal of the American Medical ­Association (­JAMA) uma pesquisa canadense realizada na Universidade de British ­Columbia, com 5.411 mulheres e homens sem diabetes, que faziam tratamento para excesso de peso ou obesidade.

Os participantes foram divididos em três grupos, dois dos quais receberam um dos agonistas GLP-1 (liraglutida ou semaglutida), enquanto o terceiro foi medicado com duas drogas pertencentes a outras classes (bupropiona-naltrexona), para funcionar como grupo controle.

Na comparação com o grupo controle tratado com bupropiona-naltrexona, os que receberam os agonistas do ­GLP-1, liraglutida ou semaglutida, tiveram risco de desenvolver pancreatite nove vezes mais alto, de obstrução intestinal 4,2 vezes maior e de gastroparesia 3,6 vezes mais alto. O risco de apresentar cálculos biliares foi o mesmo nos três grupos.

Apesar do custo proibitivo dos agonistas, da necessidade de aplicações semanais por tempo indeterminado e dos relatos de recuperação dos quilos perdidos depois da suspensão do tratamento, a popularidade dessas drogas é grande entre os que desejam emagrecer.

Entre eles estão aqueles em que a obesidade está associada ao risco de doenças cardiovasculares graves, como infarto do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais, além das limitações ortopédicas que interferem com a mobilidade e a qualidade de vida.

Os agonistas são medicamentos com efeitos colaterais geralmente limitados e uma relação custo-benefício que justifica o emprego na clínica. O uso sem supervisão médica, no entanto, deve ser enfaticamente desaconselhado.

Embora sejam eventos relativamente raros, as pancreatites, as obstruções intestinais e as gastroparesias podem evoluir com complicações graves que exigem diagnóstico precoce e tratamento especializado. •

Publicado na edição n° 1282 de CartaCapital, em 25 de outubro de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Efeitos indesejáveis’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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