Wil Schmaltz

Co-fundador e presidente da Escola Comum, promotor de direitos humanos, advogado e mestrando em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Em 2022 foi escolhido como uma das 50 jovens lideranças que estão transformando o mundo pelo Fórum Global Solutions.

Opinião

Educar para a democracia, um antídoto ao oportunismo e ao ódio

Somos ensinados a competir e calcular os riscos, mas não a construir soluções conjuntas e calcular os benefícios para o bem comum

Educar para a democracia, um antídoto ao oportunismo e ao ódio
Educar para a democracia, um antídoto ao oportunismo e ao ódio
Sala de Aula
Apoie Siga-nos no

Numa dessas noites sem dormir, me deparei com um post de um perfil que sigo, compartilhando um texto de Bertolt Brecht sobre o “analfabeto político” – aquele que não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Mas se o analfabeto político é definido por sua ausência do debate, como devemos então definir as legiões de pessoas que, diariamente, debatem política nas redes sociais? Política se tornou um dos temas mais consumidos nessas plataformas. Apesar da avalanche de material produzido em massa, muitas vezes contaminado por Fake News. Não podemos ignorar o fato de que o ato de compartilhar conteúdo, por si só, é um gesto de quem deseja falar, ser ouvido e participar dos eventos políticos. Enquanto o debate sobre a regulação das redes sociais merece atenção, é preciso também reconhecer que essas plataformas democratizaram um espaço antes restrito a poucos veículos de comunicação. Elas deram voz a muitos que antes eram relegados ao silêncio, transformando o que antes era um monólogo elitista em um diálogo público, ainda que caótico. Em meio ao ruído, há uma nova forma de cidadania emergindo, e desprezá-la seria repetir o erro de ignorar essas vozes que sempre tentaram ser ouvidas antes do advento das redes sociais.

Essa nova forma de exercício da cidadania desencadeou movimentos importantes, como o Me Too, que ajudaram a revelar e derrubar abusadores do poder, e a Primavera Árabe, que derrubou algumas ditaduras no Oriente Médio. No entanto, ela também fomentou movimentos antidemocráticos, como os atos de 8 de janeiro. Em paralelo ao debate sobre a regulação das plataformas, devemos nos concentrar nos desafios de educar as pessoas para esse novo cenário. Aqui, não me refiro a um conjunto de normas de etiqueta para o uso das redes sociais, nem à habilidade de reconhecer fake news ou deep fakes, mas à capacidade de compreender a inter-relação entre diversos assuntos a fim de entender as causas estruturais dos problemas, sem cair na tentação de respostas simplistas, que geralmente resultam no extrapolamento de um nível de polarização tolerável em uma democracia e que costuma custar a vida de grupos e culturas.

A isso chamo de educação para a democracia, uma abordagem que estimula a capacidade da pessoa de inter-relacionar temas como política, direito, economia, sustentabilidade, políticas públicas, entre outros, com o objetivo de compreender de forma holística e sistêmica os problemas estruturais e os atores que se beneficiam dos desequilíbrios de poder político e econômico. Essa habilidade não é algo óbvio e não surge automaticamente com a obtenção de um diploma universitário. Trata-se de uma competência que precisa ser desenvolvida e provocada em diferentes níveis, desde a educação básica. No entanto, percebo um déficit nos programas de formação no que se refere ao desenvolvimento dessa habilidade essencial.

Mas essa educação para a democracia precisa estar assentada, sobretudo, em princípios democráticos que rejeitem messianismos ou ideologias que desumanizem grupos ou pessoas. Lógicas maniqueístas oferecem respostas simples e estimulam um ambiente destrutivo para o diálogo. Educar para a democracia implica em uma educação que, além das disciplinas que já mencionei, ensine as pessoas a celebrar avanços sociais e a divergir com respeito e afeto.

Talvez eu seja romântico e ingênuo demais, mas a história nos oferece exemplos de que esse caminho pode, sim, dar certo.

Somos ensinados a competir e calcular os riscos, mas não a construir soluções conjuntas e calcular os benefícios para o bem comum. Esse ensinamento reverbera tanto na competitividade do mercado quanto no ativismo messiânico presente em alguns movimentos sociais. Por isso, educar para a democracia é uma ponte essencial para o restabelecimento da civilidade e do diálogo no debate público.

A construção de coalizões, como a entre a Escola Comum e a Fundação Tide Setubal é essencial para sistematizar metodologias eficazes que possam, no futuro, fundamentar propostas de políticas públicas voltadas à oferta de educação para a democracia. A união dessas organizações permite o intercâmbio de experiências e conhecimentos, fortalecendo a capacidade de ambas em desenvolver estratégias educacionais que não apenas impactem diretamente as comunidades atendidas, mas que também pavimentem o futuro dessas políticas públicas que deixou de ser uma urgência apenas no Brasil, mas também nas democracias de todo mundo.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo