Monica Seixas

Deputada estadual (PSOL-SP)

Opinião

Ecos do passado

O que liga o pensamento bolsonarista ao nazismo

Hitler repetia mentiras até elas se tornarem verdade. Imagine até onde teria ido se a plateia fosse essa aí - Imagem: Redes sociais, Arquivo Público da Alemanha e Sérgio Lima/AFP
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A aversão ao moderno, o machismo, o racismo, a guerra permanente, a violência, a irracionalidade e a repulsa à intelectualidade são características do fascismo. O ultranacionalismo é racista na medida em que cria uma identidade nacional “acima de tudo” e dos outros.  “Alemanha acima de tudo” era o que dizia Hitler. O tradicionalismo, reivindicado desde os primeiros discursos do líder nazista, também vem enlatado em um fundamentalismo religioso que diz que a verdade se conhece, foi talhada em pedra sagrada. Então qualquer avanço social, científico ou comportamental seria contra o sagrado.

Na década de 1930, Hitler e ­Mussolini eram contra a arte moderna, a recém-declarada democracia e os direitos civis das mulheres. Era a década de 30. A década de 30 sucedeu aos frenéticos anos 20, lembra? Movimento sufragista, LGBTs a sair dos armários nas grandes metrópoles. As metrópoles. O fim de diversos impérios e as jovens repúblicas a brotarem em todos os cantos.

Ainda hoje, o fascismo, em seu estado mais bruto, é contra a arte. É contra o pensamento crítico. É contra o progresso. Por isso, odeia professores e artistas. É contra as minorias… Mais que isso, é contra a igualdade de direitos. Se formos todos iguais, não haverá sujeito melhor a ponto de ser chamado de herói e o heroísmo sustenta o constante estado de guerra e a violência fascista. Em looping.

Reconheçamos. O fascismo desfila pelas nossas ruas e bloqueia rodovias. Nem todo bolsonarista é fascista? Todo eleitor de Hitler era nazista?

Aos fatos: você sabe como Hitler convenceu todo um país a patrocinar o assassinato de 6 milhões de “inimigos e indesejados”? Hitler, militar de baixa patente, era propositada e politicamente incorreto. Vociferava racismo e antes de sua eleição pregava a morte. Para gays. Para combater o crime. Pena de morte a políticos traidores. Morte! E, sim, ele foi eleito. Numa jovem e cambaleante democracia, mas foi. Em 1932, o Partido Nazista era o maior do país. Hitler foi o segundo presidente da Alemanha após a queda do imperialismo, em 1919.  Seu discurso era violento e em linguajar simples, porque os alemães estavam com raiva e ele se comunicava com essa raiva. A democracia não tinha trazido mudanças rápidas. E estavam ressentidos pela punição e pobreza a que foram submetidos após a Primeira Guerra Mundial.

Hitler montou um manual de como se comunicar (Bolsonaro o segue). Falar simples, alimentar o medo e gerar o ódio. Uma realidade paralela. Hitler lançou um amplo programa de subsídios para a compra de rádios, a mais avançada tecnologia da época. Em pouco tempo, toda a população, ainda que paupérrima, tinha rádios. Depois começou a comunicação em massa, que em seis anos deixou toda a Alemanha convencida de que judeus roubaram a riqueza que lhes faltava e que o destino para bandido era a morte.

Após a morte de Hitler, a Alemanha viveu um longo processo de desintoxicação nazista

E mesmo cheio de ódio e de ultranacionalismo, que incentivavam moleques a socarem vitrines de lojas de judeus para reafirmar sua masculinidade, a verdade é que a população não fazia ideia do que de fato foi o regime nazista. O rádio contava outra história de combate ao risco constante. Após 12 anos do início da ditadura nazista e de muitas fake news, os alemães perderam a Segunda Guerra Mundial sob a crença de que foram eles os vencedores da luta contra o mal e a desmoralização dos estrangeiros. As tropas soviéticas chegavam a uma Berlim em pedaços, derrubando um regime sangrento, enquanto parte da população alemã assistia e pensava: “Ué, não disseram no rádio ontem que a gente acabou com esses comunistas safados?!”

Depois da morte de Hitler, a Alemanha teve de passar por um longo processo de desintoxicação nazista. Regulamentação da mídia – proibindo seu uso político e formação em ética para comunicadores, criminalização de publicidade nazista e formação de professores para contar a verdade sobre o nazismo. E, acreditem, houve vários alemães que morreram a dizer que lavagem cerebral foi o conjunto de ações feitas após a queda do nazismo.

Fato é que, aceitemos ou não, o fascismo desfila, ronda nossas mães e irmãos. Senhoras de bom coração e jovens com ódio da política parecem viver em outra realidade. Eles seguem a gritar que fecharemos igrejas, mas o que vimos foram diversos cristãos constrangidos e expulsos de suas igrejas pelo bolsonarismo. Mas isso eles não veem.

Dizem lutar contra o comunismo, enquanto médicos prometem deixar eleitores de Lula morrer, homem a atirar contra opositores e pais que ensinam seus filhos pequenos a imitar o fuzilamento meu e de meus filhos nas ruas. Falam se tratar de liberdade, mas não deixaram a criança em tratamento de câncer chegar à quimioterapia.

Fui conversar com dona Sueli, uma seguidora de vários anos… Acho que ela votou em mim quando fui candidata a prefeita de Itu. Dona Sueli quer o golpe militar e concorda que quem pede a “intervenção” com arma na mão é herói. Vai salvá-la do mal (Que mal?). Perguntei a dona Sueli onde errei. Ela disse que não acredita mais em mim e em fake news. Agora conhece a verdade nas redes bolsonaristas. Vive num mundo diferente do meu, onde somos os culpados por toda perversão, pobreza e morte. No mundo dela, não há mais jeito. É a vida dela contra a dos comunistas. O Exército há de fazer algo.

Hitler demorou seis anos para começar a matar. Freamos Bolsonaro, mas ainda não sabemos como desintoxicar a população exposta ao bolsonarismo, ao fascismo à brasileira. Jovens machistas e senhoras de família socam as vitrines dos diferentes, gente que eles acham que os roubaram e, por serem bandidos, merecem a morte. •


*É deputada estadual em São Paulo pelo PSOL.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1235 DE CARTACAPITAL, EM 23 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Ecos do passado”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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