Camilo Aggio

Professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas

Opinião

É sobre o golpe, estúpido!

Recomendo gastar apenas 10% das preocupações com as eleições e 90% com o golpe já anunciado e agendado

O presidente Jair Bolsonaro em cerimônia militar. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Não era por algum produto da chamada linha branca. Aquelas pessoas no vídeo não estavam disputando ferozmente a chance de comprar algum eletrodoméstico em promoção. Estavam disputando, às cotoveladas, descontos em um artigo banal da culinária brasileira: cebolas.

O vídeo circulou pelas redes na semana passada. Segundo as informações disponíveis, foi gravado em algum mercado de Brasília. E antes que algum gatilho classista e preconceituoso seja, porventura, acionado, aviso: não, não eram pessoas pobres. E o mais lamentável: a situação que poderia ser bastante inusitada, é bastante plausível o Brasil atual.

Não é coincidência o fato da última pesquisa Ipespe registrar que 63% dos brasileiros desaprovam o modo como a economia tem sido administrada pelo atual governo. E não estão errados os 73% que dizem que os preços dos produtos aumentaram muito nos últimos meses. Se os juntarmos com aqueles que afirmaram que os preços de fato aumentaram, mas não muito, temos aí 95% dos eleitores brasileiros.

Não é nenhuma coincidência, portanto, o fato da pesquisa Ipespe não trazer novidade sobre as intenções de voto para presidente. No primeiro turno estimulado, Lula continua na faixa dos 44% — e Jair Bolsonaro, dos 31%. Na espontânea, Lula vai a quase 40%, contra 29% de Jair Bolsonaro. Há ainda um outro detalhe importante: 13% dos eleitores dizem que poderiam votar em Lula. Os que dizem que votarão com certeza são 43%. Já os que poderiam votar em Jair Bolsonaro somam 6%. Em outras palavras, o atual presidente já está pertinho do seu teto, que arrisco ser algo em torno de 35%. Lula ainda pode crescer mais.

Esse cenário indica significa algumas coisas.

A primeira é o que venho defendendo há muito tempo: temos um cenário eleitoral profundamente consolidado. Em segundo, como também já defendi ferrenhamente, pobre não troca voto por auxílio. Já temos cinco meses de vigência do Auxílio Brasil e Jair Bolsonaro não roubou nem meio voto de Lula. O eleitor de baixa renda, como qualquer outro, raciocina e avalia suas opções eleitorais com base em um elemento universal: seu bem-estar. E não há comparação entre a qualidade de vida dos brasileiros sob os governos Lula e sob essa catástrofe chamada governo Bolsonaro.

Em terceiro, temos a economia ditando a eleição e, a não ser que aconteça um milagre às avessas, continuará assim. E quando falamos de economia numa sociedade do consumo, não estamos resumindo o voto ao estômago. À comida. Estamos falando de tudo. Consumimos cebola assim como consumimos cultura, entretenimento, lazer, viagens e educação.

O que temos, então? A esperança de começarmos a reverter a terra arrasada que esse governo deixará em 2023? Talvez, mas eu não seria tão apressado. Se pudesse dar um conselho para quem se preocupa com a política nacional, diria: gaste apenas 10% de suas energias preocupado ou preocupada com as eleições. Elas já estão praticamente definidas segundo as regras do jogo. Eu recomendo que os outros 90% sejam dedicados a se preocupar com o golpe que nos espreita há muito tempo sob uma letargia social de minimização desse risco que ainda pode nos cobrar um preço muito alto.

A bem da verdade, ao menos temos registrado um crescimento do alerta sobre o golpe na grande imprensa na última semana, afinal, parece que com a aproximação de outubro e as claríssimas investidas de Jair Bolsonaro e dos militares, a ficha do golpe começou a cair. Como bem observou até Igor Gielow na Folha – ainda que com muito atraso – as forças que convergem para um golpe em caso de vitória de Lula não se restringem aos militares, mas também ao chamado “centrão”. Há, portanto, forças políticas profundamente interessadas em compor uma governo golpista que mantenha seus privilégios de gestão inédita e inusitada do orçamento federal. O famigerado orçamento secreto.

Mas vou além e termino reforçando o que disse na coluna passada: onde estão os “donos do dinheiro” se manifestando publicamente em favor de todo e qualquer resultado eleitoral referendado pela única autoridade competente no assunto, o Tribunal Superior Eleitoral? Já teve nota da Fiesp? Febraban? Pois é. É sobre o golpe, estúpido.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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