Opinião

É preciso romper o isolamento internacional do Brasil

‘Será um acaso que três dos países sob o jugo da extrema-direita – Brasil, Hungria e Polônia – sejam ilhas linguísticas em suas regiões?’

Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão. Foto: Marcos Corrêa/PR
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“O pior erro que já foi cometido neste mundo foi a separação da ciência política da ética.”
Percy Bysshe Shelley

Dia 20 de junho é Dia do Migrante e Dia Mundial do Refugiado. O poeta romântico Shelley também foi um migrante: sendo inglês, foi migrou para a Itália, onde viveu e faleceu, estando enterrado ao lado de Antonio Gramsci, o maior filósofo político do século XX.

Atualmente, muito se houve falar sobre o drama da migração e do refúgio nos países setentrionais, constituindo essa uma das principais pautas sociais e eleitorais do Norte.

Entretanto, estudo recente divulgado pela agência de notíciasVatican News demonstra que apenas um em cada dez refugiados busca os países economicamente desenvolvidos. Oitenta e seis por cento dos migrantes refugia-se nos países vizinhos ao de origem, cabendo aos países mais empobrecidos do mundo albergar 27% das correntes migratórias.

De fato, muitas boas surpresas se encontram também no Sul: a Conferência Episcopal de El Salvador, por exemplo, elaborou projeto de lei, reconhecendo o direito à água como direito humano, fundamental.

No Brasil, proposta de emenda constitucional (PEC) que busca positivar esse direito e o direito à terra na Constituição Federal ainda jaz nas gavetas da Câmara Federal, apesar das mais de duzentas assinaturas de parlamentares, com que a PEC foi apresentada.

Na África, a Conferência Episcopal de Burkina Fasso emitiu protesto formal pelas bases militares instaladas no país e no vizinho Níger, cuja implantação coincidiu com o aumento da instabilidade política e militar na região.

Com efeito, presenciamos, em âmbito internacional, às tentativas de aproximação da política à ética, para as quais o golpe de estado no Brasil, em 2016, paradoxalmente, em muito terá contribuído, ao divorciar a política da ética, apartando o próprio direito e, assim, dejetando condenações ilegais, ilegítimas e injustas, como reconheceu recentemente o próprio Supremo Tribunal Federal.

No rastro daquela separação, restou o país com 510 mil mortos, por doença para a qual existe vacina; a economia esfacelada, com recordes de desemprego, fome e desespero; a queda do país de 6ª maior economia do mundo para 12ª, em contínua caída…

Sem mencionar prisões indevidas, famílias dilaceradas e o suicídio do ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier.

Como sair desse poço profundo, fétido e obscuro?

A coerência parece ser a melhor estrada: agir como se prega; valendo tanto para a vida civil, quanto
militar e até religiosa.

Acreditamos na democracia participativa como antídoto ao autoritarismo, à falta e à supressão da liberdade? Que mecanismos estamos prevendo para ampliar a participação popular? Somos contra o déficit da previdência? Por que os militares continuam a ser os que mais a oneram? As igrejas pregam o ecumenismo? Por que não incentivam os fiéis a darem o dízimo para obras de outra confissão religiosa?

Se uma instituição, governo ou igreja lhe pede dinheiro – os governos exigem – responda que preferes dar tuas opiniões, propostas, soluções. Respeita-te quem valoriza mais teu dinheiro do que tuas ideias?

Ao lado disso, cabe romper o isolamento internacional do Brasil. Será um acaso que três dos países atualmente sob o jugo da extrema-direita – Brasil, Hungria e Polônia – sejam “ilhas” linguísticas em suas regiões?

Em Wittgenstein, de Contador Borges, editado pela Iluminuras, o autor nos recorda, nas notas introdutórias, as palavras do grande escritor argentino Jorge Luís Borges: “A salvação da humanidade tem três caminhos: a inteligência, a ética e a estética.”

Naquela obra, encontramos algumas das assertivas mais interessantes de Ludwig Joseph Johann Wittgenstein, o filósofo austríaco que revolucionou a filosofia, a lógica e a vida: “O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas”.

O que é o mundo se não somos nós, todos? Indivisíveis, eu interpretaria.

Ao que o autor agrega outra afirmação do maior filósofo do século XX: “Na lógica, nada é casual.”

Como não é nas relações humanas, entre os estados e com a natureza, também aduziria eu.

Nessa sábia progressão, o autor logo introduz, naquela obra, a alma do pensamento do filósofo que teve uma das histórias pessoais mais coerentes e belas do século passado, a ponto de ter inserido em seu epitáfio a própria síntese dela: “Diga-lhes que eu tive uma belíssima vida.”

Sinteticamente, Wittgenstein resume pensar e ação: “Busco sua clareza, mas é preciso antes que os problemas filosóficos desapareçam. É isso que deseja minha lógica, o resto é poesia, é mística…o que não se pode falar, deve-se calar”.

Ao que acrescenta: “Se ouvirem com atenção, nada parecerá estranho e o que parecer estranho certamente não deverá ser levado a sério. O sentido é um bem precioso justamente porque nos faz crer que somos razoáveis e não pensamos tolices. Quero crer que se não as pensamos, também temos uma boa chance de não as estar transmitindo enquanto falamos.”

Portanto, ética, política e cultura são os nossos desafios. Uma bela estrada. O Peru deve nos inspirar.

Lá, as boas raízes dos Incas floresceram. Aqui, tivemos as Missões, que segundo Rosa Luxemburgo, em “Introdução à Economia Política” foram ainda mais perfeitas do ponto de vista social e político. A primavera está do nosso lado.

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