Justiça

É preciso ouvir as vozes afro-diaspóricas do Norte-Nordeste

Sociedade brasileira é estruturada em discriminações de raça, classe e gênero, como também em regionalidades invisibilizadas

Foto: Amanda Oliveira/GOVBA
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Estava ouvindo “Notícias do Brasil”, interpretada por Milton Nascimento, que diz “Uma notícia está chegando lá do Maranhão. Não deu no rádio, no jornal ou na televisão. Veio no vento que soprava lá no litoral de Fortaleza, de Recife e de Natal. A boa nova foi ouvida em Belém, Manaus, João Pessoa, Teresina e Aracaju”. Em tempos “distrópicos” e “destrituintes” que notícia boa será essa?

Se há uma cilada evidente para aqueles que militam em favor do reconhecimento e inclusão de direitos de sujeitos insubalternizados, considero a centralidade de narrativas únicas ou centradas em apenas um lugar de enunciação como uma das mais arriscadas. Entretanto, aqui, gostaria de chamar atenção para os direitos afro-diaspóricos ou de afro-reparação.

Como tem alertado as Ciências Sociais, a sociedade brasileira é estruturada em pactos não apenas de classe, gênero e raça, os quais costumam se interseccionar. Além da evidente intersecção dessas estruturas que proporcionam a sobreintegração de sujeitos e o consequente privilégios das branquitudes e à subintegração incidadã de grande parte da populações negras e indígenas, a sociedade brasileira tem uma característica bastante peculiar que é a formação de hierarquizações dentro dessas próprias estruturas: retroalimentamos várias hierarquizações de classe, gênero e raça, para não falar das hierarquizações regionais ou até mesmo do binarismo entre o Brasil rural e urbano, as quais podem embaralhar mais ainda essas complexas encruzilhadas.

Mas o que quero chamar atenção com esta divagação? A fim de não gerar polêmicas desnecessárias, não apontarei exemplos, pois o objetivo não é fazer uma crítica a uma pauta específica ou a determinados sujeitos, mas fazer um exercício de reflexão a respeito da práxis pela efetivação de direitos, seja em termos acadêmicos ou de militância.

Em se tratando de direitos das populações afro-brasileiras, não deixo de perceber que há um debate que concentra e se irradia principalmente a partir dos grandes centros urbanos, o qual costuma ser bastante “sudeste-centrado”, tendo em vista que os polos acadêmicos que costumam pautar os debates, assim como a mídia e, mais recentemente, os grandes influenciadores se centram nessa Região.

A cilada dessa centralidade está no fato de que os debates são muito mais amplos e complexos e aqueles que os pautam nem sempre percebem que seu lugar de enunciação pode estar miopizado por algumas das hierarquizações as quais tratamos anteriormente.

Acredito que as pautas dos direitos de afro-diaspóricos precisam se abrir mais para as múltiplas e complexas experiências de negritudes que permeiam o Brasil: de Norte a Sul há experiências e movimentos que precisam ser ouvidos e pautados amplamente. No passado e no presente, a experiência quilombola corresponde ao maior exemplo dessa diversidade de experiências e anseios, pois, conquanto houvesse uma luta e objetivo comum por liberdade, cada lugar possuía suas experiências e seu modo próprio de lutar e negociar pelos seus direitos.

O racismo e as branquitudes já entenderam a vantajosidade das narrativas únicas ou centradas em apenas um lugar de enunciação: geram desmobilização, assim como estereotipação e “enlatamento das identidades”, tendo por objetivo último levar ao descrédito a pauta de direitos das negritudes na esfera pública.

Estejamos atentos para ouvirmos mais ao nosso povo, em toda a sua diversidade, aquele, a quem nós, com egos envaidecidos, não raras vezes, temos silenciado. Como vaticina Milton Nascimento, em sua doce mineiridade: “A novidade é que o Brasil não é só litoral! É muito mais, é muito mais que qualquer Zona Sul. Tem gente boa espalhada por esse Brasil, que vai fazer desse lugar um bom país!”

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