Esther Solano

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Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Unifesp

Opinião

É preciso falar com os evangélicos

Não se iludam, as pautas morais ainda podem decidir a eleição

Fotos: Ricardo Stuckert e Mauro PIMENTEL / AFP
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Há muito tempo as nossas pesquisas apontam na mesma direção: as pautas morais podem definir a eleição. Em termos mais simples, se vocês quiserem, podemos perder a eleição pela mamadeira de piroca 2.0. Desculpem-me a honestidade dramática, mas quem faz pesquisa não pode se dar ao luxo de andar com sutilezas. Os dados são os dados. Bolsonaro avança entre os evangélicos, fundamentalmente pentecostais e neopentecostais, o que significa que avança entre o povo pobre, nas periferias brasileiras. Irremediavelmente, se a intenção de voto em Bolsonaro continuar a aumentar entre o público evangélico, ele pode garantir sua ida ao segundo turno e aí, meus amigos, a porta para o abismo se abre. Digo e repito, temos de trabalhar para uma vitória de Lula em primeiro turno, é arriscado demais enfrentar o monstro num segundo turno. É incerteza demais. É se expor demais. É apostar demais.

Quero pedir, implorar, a partir desta página: vamos falar com os evangélicos, mas vamos falar com inteligência, com estratégia, vamos falar para não perder as eleições. Temos muita pesquisa, muita análise, mentes brilhantes que estudam, analisam, estão em campo, gente que nos fornece dicas de comunicação. Por favor, vamos parar, ler, estudar, refletir, falar com base no conhecimento, com pesquisa nas mãos. Não podemos pisar na bola, não podemos, a gente não tem margem para tanto. Faço aqui um apelo a toda a militância petista, a todos os simpatizantes, mas sobretudo às figuras que têm um perfil público. Por favor, vamos pensar antes de falar publicamente sobre os fiéis e as igrejas evangélicas. Vamos aprender as sutilezas comunicacionais do que dizer, como dizer, com quem dizer, o léxico inteligente a se usar, o léxico que não é. Depois das eleições, a partir do conforto de nosso lugar recuperado em Brasília, falamos como vocês quiserem, mas antes não, antes, por favor, temos de ganhar estas eleições e nossa vitória não está garantida.

Sei que para muitos que professamos um laicismo convicto, que nos sentimos profundamente desconfortáveis com crucifixos em lugares públicos, com sermões em palcos políticos, com púlpitos que se transformam em palanques, com Bíblias que pretendem substituir a Constituição, é muito complicado conversar com os segmentos evangélicos, mas precisamos fazer o esforço, por muito que pareça difícil. Precisamos fazer o esforço por duas razões fundamentais. A primeira: falar com os evangélicos, sobretudo com pentecostais e neopentecostais, significa falar com o povo, e talvez esse seja o nosso primordial e mais relevante dever como esquerda, estar com o povo, escutar o povo, falar com o povo. Segundo: precisamos vencer as eleições. Nossa dignidade e nossa sobrevivência dependem do resultado das urnas. E para ganhar as eleições não basta debater sobre o legado econômico lulista, não basta expor as hipocrisias e as barbaridades bolsonaristas, não bastam inserções televisivas sobre a esperança, o amor e o ódio. Devemos lutar contra o pânico moral, contra o medo de votar num PT apresentado como ameaça à família. Devemos entender e dialogar com o voto religioso, pois precisamos, ao menos, de uma parte dele, daqueles que votaram no PT e estão decepcionados com Bolsonaro. Por isso, por favor, mais uma vez suplico às figuras públicas, políticas, intelectuais, artistas: não vamos falar com o fígado, não vamos falar apenas com base no nosso senso comum, não vamos falar guiados pelo instinto. Vamos escutar quem sabe, vamos estudar.

A campanha de Lula não é a campanha de um homem só. Vocês sabem muito bem que o PT, a sua militância, todo aquele que orbita no entorno, é alvo do bolsonarismo radical. Estamos no radar. Uma palavra dita sem estratégia eleitoral por uma figura pública de esquerda é um erro que não podemos cometer. Não podemos cometer o erro de termos ­vídeos viralizados pela máquina do bolsonarismo evangélico atacando as igrejas neste momento, atacando tal ou tal pastor. Não é momento, pois temos de vencer as eleições e para isso todos precisamos de um pouco de disciplina comunicacional, agir com inteligência eleitoral.  Há muito em jogo. Os evangélicos podem decidir o nosso futuro.

O medo é um afeto grandioso. O medo ganha eleições. O medo moral tem uma capacidade brutal. O medo moral pode nos fazer perder as eleições. Devemos aprender a falar com os evangélicos, para, ao menos, estancar a sangria, para reduzir danos. Por favor, eu imploro. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1223 DE CARTACAPITAL, EM 31 DE AGOSTO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “É preciso falar com os evangélicos “

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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