Opinião

É preciso evitar que o Centro de Formação Paulo Freire seja destruído

A história é longa e mais parece um roteiro daqueles filmes de terror que nos fazem perder o sono. Entenda

Manifestação do Movimento dos Sem-Terra - Foto: Agência Brasil
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Em 5 de setembro, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra trouxe à tona uma gravíssima ameaça: depois de quase 20 anos de existência, o Centro de Formação Paulo Freire, instalado na área do assentamento Normandia, na cidade de Caruaru, no agreste de Pernambuco, corre o risco de ser destruído. A história é longa e mais parece um roteiro daqueles filmes de terror que nos fazem perder o sono e inquietam a alma.

O que está por trás do pedido de reintegração de posse feito pelo Incra – e acatado pelo juiz da 24ª Vara Federal, Thiago Antunes de Aguiar, no último dia 21 de agosto – é algo muito mais grave do que querem fazer parecer as “autoridades” governamentais. Antes mesmo de assumir a presidência da República, Jair Bolsonaro se posicionava radicalmente contra os movimentos populares, em especial o MST. O discurso de ódio – proferido pelo presidente e ampliado por boa parte de seus aliados – têm, sistematicamente, se convertido em ações políticas que favorecem a violência no campo e o fortalecimento do agronegócio e suas práticas predatórias.

E é exatamente por esse prisma, cuja preocupação é a defesa da democracia, dos direitos coletivos, que levantamos a seguinte reflexão: Como justificar que o Incra, a autarquia federal que deveria realizar e fiscalizar a reforma agrária em nosso País, se posiciona contra uma experiência concreta de como fazer reforma em favor da coletividade, da educação e da justiça social?

A resposta é clara e preocupante. Essa ordem de despejo reflete um projeto político favorável ao aniquilamento de toda e qualquer possibilidade de justiça em benefício dos trabalhadores. Em outras palavras, a disputa em Normandia não é só mais jurídica, mas ideológica. Sob uma falsa bandeira de “acabar com ideologias”, Bolsonaro e seus aliados utilizam-se do poder estatal para impor um projeto antipovo.

Para compreender a gravidade da situação, é importante conhecer, com mais detalhes, o que é Normandia e o Centro de Formação Paulo Freire. O terreno, ocupado em 1993, durante cinco anos foi palco de reocupações, despejos e greve de fome, até que as famílias saíram vitoriosas e a área tornou-se assentamento, em 1998. Naquele mesmo ano, parte das terras foi cedida, em comum acordo pelos assentados, à associação comunitária Centro Paulo Freire para benefício coletivo. No local, a associação e o MST ergueram um centro de educação em agroecologia, voltado para trabalhadores e trabalhadoras de todo o Brasil. As terras abrigam ainda três unidades agroindustriais, pelas quais passam toneladas de raízes (batata doce, inhame e macaxeira) e carne de boi e de bode, cultivadas por trabalhadores de todo o estado.

A agroindústria beneficia ainda a produção de pães e bolos, fruto do trabalho de uma cooperativa de boleiras de Normandia. Os alimentos são fornecidos para a merenda de escolas e creches de prefeituras do Agreste, Zona da Mata e litoral pernambucano, incluindo unidades no Recife.

A ameaça que espreita o Centro Paulo Freire, mira o trabalho de formação política e educacional desenvolvido pela unidade, que conta com inúmeras parcerias com instituições de ensino do Brasil e do exterior. Ao longo dos últimos 20 anos, mais de 100 mil alunos passaram pelos cursos práticos e teóricos ministrados no local.

Assim como tem ocorrido pelo resto do País, na luta pela defesa da educação, da Amazônia e dos direitos sociais, a resposta dos movimentos e da população será uma só: resistência. Como dizia o mestre Paulo Freire, que não por acaso dá nome ao centro, “não é na resignação, mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmaremos”. Assim, vimos surgir nos últimos dias correntes de solidariedade à persistência do movimento, com apoios de educadores, comunicadores, militantes, ativistas, juristas e parlamentares. 

Como deputada federal, integro um coletivo de parlamentares que realizou uma diligência no estado, em nome da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, para tratar da ordem de despejo do Centro de Formação Paulo Freire. Entre as instituições articuladas estiveram o Tribunal Regional Federal, Incra e Ministério Público Federal. A comitiva defende a imediata suspensão da reintegração de posse. Desde o último dia 14, mais de mil defensores do centro participam de uma vigília em um acampamento montado na área. A história do Centro Paulo Freire é marcada por obstinação. Muito mais do que um espaço físico, a instituição é terra fértil para as sementes da esperança de construção de um Brasil livre de fome e desigualdade, da exploração e da violência do latifúndio. Por tudo isso, repudiamos toda e qualquer tentativa de despejo e destruição do patrimônio do povo de Normandia.

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