Opinião

É na América Latina e no Caribe que a missão do Brasil se realiza

Aqui podemos proteger nossos irmãos e irmãs da brutalidade imperialista

Lula e Alberto Fernández, em Buenos Aires. Foot: Ricardo Stuckert
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“Sou um homem triste, com uma grande vocação para a alegria.”
Vinicius de Moraes.

Vinicius foi, provavelmente, o maior embaixador que o Brasil já teve, levando a todo o mundo o melhor da cultura nacional.

Como Vinicius veria nossa política externa atual? Creio que com um misto de alegria e tristeza, mas – principalmente – com esperança.

Creio que se alegraria ao ver o Brasil cumprir o papel de potência latino-americana, com humildade moderando entre os frágeis governos da região (muitos deles extremamente vulneráveis às pressões do Norte) e as democracias imperfeitas (como se as do Norte também não o fossem), aquelas últimas tentando trilhar os caminhos da independência, da soberania e do desenvolvimento.

Na semana passada, foi simbólica a posição assumida pelo Brasil no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, em Genebra, recusando-se a se somar a resolução claramente desequilibrada contra a Nicarágua, uma vez rechaçada a emenda proposta pela delegação brasileira.

Vale recordar que essa mesma posição meridiana do Brasil, no passado recente, impediu a enésima invasão daquele país pelos Estados Unidos da América.

Com efeito, é na América Latina e no Caribe que a missão do país se realiza mais plenamente. Aqui podemos proteger nossos irmãos e irmãs da brutalidade imperialista, tanto dos EUA quanto da União Europeia, integrada, vale lembrar, pela ex-metrópole, a Espanha, que chupou até os ossos da colônia à qual busca dar lições de democracia e respeito aos direitos humanos.

O correto posicionamento nacional ganha maior relevo, quando se verifica que um certo “Grupo de Puebla” alinhou-se à incorreta posição do Norte. Vale notar que o citado grupo é formado por “intelectuais” e que a primeira assinatura do manifesto do grupo em apreço é de um ex-primeiro ministro da Espanha…

Pelo Brasil, assinam duas personalidades que habitam a Zona Sul do Rio de Janeiro, magnífica região que nos deu Vinicius de Moraes, Tom Jobim e Nara Leão (que era capixaba de nascimento), mas que não poderia ser mais diversa da realidade centro-americana e nicaraguense. Desconfio, aliás, que uma das subscreventes jamais tenha visitado o país ou a região; quanto ao outro, talvez lá tenha passado algumas horas, no máximo.

Mas nem só de acertos se faz a diplomacia atual, infelizmente: matéria da imprensa da casa grande adianta que o Itamaraty deverá rebaixar Buenos Aires para a categoria B, a fim de permitir que os diplomatas amigos dos amigos possam “não queimar” o posto A, indo para lá.

Vale mencionar que os postos no exterior estão classificados em A, B, C e D, de acordo com o grau de conforto para os diplomatas, que deveriam alternar entre eles, o que não ocorre na prática, em que os encastelados nos gabinetes são premiados apenas com as melhores embaixadas e consulados.

No entanto, nem o desgoverno do genocida ousara rebaixar Buenos Aires para a categoria B, apenas para privilegiar apaniguados (e as joias de Micheque falam muito de quais eram os critérios éticos daquela semiditadura cívico-militar).

Esperemos que sejam apenas rumores maldosos das oito famílias donas do monopólio midiático e que o governo do presidente Lula se mostre acima de práticas tão mesquinhas.

Infelizmente, ainda na linha das preocupações, também na semana passada, a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) anunciou sua nova composição, da qual está excluído o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).

Vale lembrar que no Brasil, como na média mundial, a agricultura familiar é responsável por aproximadamente 70% dos alimentos que consumimos.

Se está voltada ao mercado interno, por que deveria integrar a CAMEX? Porque o agronegócio, justamente por não produzir alimentos prioritariamente, tende a ceder nas negociações internacionais aos interesses da agricultura familiar e da indústria de outros países e grupos de países, em benefício das exportações das commodities que produz.

Convém recordar que foi justamente um acordo nesses moldes, o Tratado de Methuen, também conhecido como Tratado dos Panos e Vinhos, assinado entre Portugal e Inglaterra, em 27-12-1703, que Portugal se obrigou a adquirir as manufaturas têxteis da esperta Albion, em troca da compra, pela Inglaterra, de produtos primários e semimanufaturados, como o vinho, de Portugal.

Ora, as diferenças nos termos de troca entre produtos manufaturados – que incorporam valor pela mais valia do trabalho agregado e pela técnica em constante progresso – e produtos primários condenariam Portugal a três séculos de subdesenvolvido, tal o impacto de um acordo mal negociado sobre a economia de um país. Pior, drenaria à Inglaterra a maior parte das riquezas de que Portugal se locupletara no Brasil e nas demais colônias africanas e asiáticas.

Portanto, reverter essa exclusão equivocada do MDA da CAMEX é absolutamente urgente e necessário.

Mas nem só de notícias ruins viveu o mundo na semana passada: em Israel a desobediência civil contra a tentativa de implantar uma semiditadura no país, por parte do primeiro-ministro (o termo seria sinistro, no caso) Benjamin Netanyahu, subordinando o Judiciário aos interesses do governo de plantão, encontraram fortíssima oposição nas ruas e praças, de tal sorte que todos os pilotos e comissários e comissárias de bordo da companhia aérea nacional “El Al” se recusaram a tranportá-lo à Itália para se encontrar com sua homóloga semifascista, Giorgia Meloni.

Mais ainda, de um agrupamento de caças militares de 40 pilotos, apenas 4 aceitaram participar de treinamento militar, tendo os demais 36 deixado explícita sua recusa, em protesto às referidas reformas do Judiciário, que aproximarão Israel ainda mais do fascismo.

Como qualificou o professor Michel Gherman, judeu brasileiro, trata-se de desobediência civil inédita!

Sim, Israel, nesta Quaresma, demonstra ser um povo eleito.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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