Opinião

É grave que sites do governo tenham propagado fake news

É urgente que façamos algo contra a promoção da desinformação que brinca com vidas em nosso País, escreve a relatora da CPMI das Fake News

Fake news
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Em standy by como dizem por aí, porém não em inatividade, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das Fake News, instalada em 2019 no Congresso e afetada – assim como tantas outras comissões das Casas Legislativas – pela pandemia da Covid-19, observa com entusiasmo os passos dados pela nova CPI que investiga a “incompetência” ou a “ineficiência”, como mesmo disse Fábio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação, em entrevista a uma revista semanal, referindo-se às ações do Ministério da Saúde e seus gestores.

O ex-secretário foi o mesmo que mentiu diante dos senadores e quase saiu preso da sessão da comissão que colheu seu depoimento.

Nosso entusiasmo se dá na medida em que temos clareza do trabalho realizado pela CPMI das Fake News de entender e identificar uma suposta rede de desinformação promovida pelo governo Bolsonaro e seus apoiadores.

Mais do que o estrago feito nas eleições de 2018 com a disseminação de inverdades sobre candidatos e suas biografias, o que evidenciávamos e se configurou em tragédia no Brasil foram as fake news produzidas durante a pandemia do coronavírus.

Vale lembrar que a incidência de notícias falsas talvez se tenha dado em menor grau na eleição de 2020, muito por conta dos alertas e do farto material que colhemos durante as sessões da CPMI. Estes puderam alicerçar a elaboração de ações implantadas pelo Tribunal Superior Eleitoral no último pleito e até mesmo no inquérito instalado no STF sobre atos antidemocráticos e ameaças aos ministros da Corte.

O que temos como certo é que vidas poderiam ter sido salvas se o próprio presidente da República não fosse um daqueles que defendem abertamente o tratamento precoce e ineficiente de uma doença que só pode ser evitada com distanciamento social, uso de máscaras, higiene máxima das mãos e com a tão sonhada vacina. E, apesar de concordar com os adjetivos proferidos pelo ex-secretário de Comunicação de Bolsonaro, não vou me apegar somente a eles, pois nominarei outros, uma vez que são criminosos o incentivo e os indícios do uso de dinheiro público na produção de notícias falsas em um período de emergência sanitária global como o que estamos enfrentando desde março de 2020.

É gravíssimo que sites governamentais possam ter sido usados para propagar informações inverídicas e que o orçamento público tenha abastecido teorias não científicas e absurdas em relação ao contágio de um vírus tão mortal quanto mutante.

É abjeto que o chamado “gabinete do ódio”, com sede fixa no Palácio do Planalto, conforme as afirmações de ­depoentes inquiridos por parlamentares nas sessões da CPMI das Fake News em 2019 e 2020, tenha promovido uma verdadeira rede de desinformação que desafia a ciência e faz o País – exemplo de cobertura vacinal no mundo – duvidar da eficiência das vacinas.

Mais doloso é o fato de parte expressiva da nação acreditar que um remédio como a cloroquina faz milagres e pode curar um vírus que comprovadamente ainda não tem cura.

Ainda mais abjeto é saber que a desin­for­mação em tempos de Covid-19 atinge em cheio as mulheres. Onde nos deparamos com notícias como estas: “Abortos indesejados disparam 366% seis semanas após vacinas contra Covid-19”, “Mulheres vacinadas desenvolvem câncer de mama”, ou “As vacinas causam infertilidade”, todas elas com a clara intenção de alarmar as mulheres e convencê-las de que as vacinas contra Covid-19 não são seguras – frase da jornalista Cristina Tardáglia, em seu preciso texto publicado no UOL.

Como se não bastasse a pandemia acumular nas “costas femininas” o trabalho doméstico com o home office ou o desemprego, que se mostra mais fortemente para aquelas que são mães e têm de abandonar seus postos de trabalho para exercer também a função de professora nas lições online dos filhos. Desesperador é saber que os três boatos citados acima se encontram nos trending topics das redes sociais e se alastram como verdades em aplicativos de mensagens.

É urgente, é para ontem, é para já que façamos algo contra a promoção da desinformação que brinca com vidas em nosso país. Como relatora da CPMI das Fake News e com a responsabilidade que este cargo representa, estarei atenta a todos os novos dados e indícios que possam ser colhidos na CPI da Pandemia, pois estes muito nos servirão no relatório final que fizermos com as evidências das digitais deste governo na história falsa construída para desacreditar a ciência, as autoridades sanitárias mundiais ou na possível destinação de recursos públicos para a produção de desinformação que confunde e causa o padecimento de brasileiros e brasileiras de forma lenta e sádica. E é com tristeza que lhes digo: não há fake news mais criminosa do que aquela que promove deliberadamente a morte de uma população.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1159 DE CARTACAPITAL, EM 27 DE MAIO DE 2021.

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