Marcos Coimbra

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Sociólogo, é presidente do Instituto Vox Populi e também colunista do Correio Braziliense.

Opinião

É este o cidadão que o PIG pretende instalar no Planalto. Não será fácil

Fazia tempo que o ‘Partido da Imprensa Golpista’ não atuava tão às claras. A rigor, desde 2015

Ex-ministro Sergio Moro. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Desde a (re)entrada de Sergio Moro no jogo eleitoral, a imprensa brasileira está em festa. Começou com o ato de sua filiação ao Podemos, transmitido ao vivo, como se fosse um acontecimento de interesse geral, pelos maiores portais (entre eles UOL e Metrópoles), o SBT, a CNN e a Jovem Pan, assim como por sites de direita, como O Antagonista.

Nos 15 dias seguintes, Moro permaneceu na crista da onda. Deu nove entrevistas na televisão, entre as quais ­duas longas na TV Globo e CNN e uma coletiva no Senado, com transmissão pela Globonews. Foi título de 13 reportagens na ­Folha de S.Paulo, 14 em O Globo, 15 no UOL, 25 no Metrópoles, 20 notícias nos principais telejornais da Jovem Pan, oito da Globo, oito da Record, quatro da Bandeirantes, duas do SBT, entre muitas, muitas outras, reproduzidas por veículos regionais e locais.

Os comentaristas das grandes empresas de comunicação dedicaram a ele vasto espaço, em avaliações e análises quase sempre positivas. Houve, é claro, exceções, cumprindo o papel de confirmar a regra.

Fazia tempo que o “Partido da Imprensa Golpista” não atuava tão às claras. A rigor, desde 2015, quando todo ele esteve em campo, participando da comissão de frente do golpe contra Dilma Rousseff. Como o tiro rapidamente saiu pela culatra (com a imediata desmoralização de Michel Temer, Aécio Neves e Eduardo Cunha e, a seguir, da Operação Lava Jato, dos milicos e do capitão), parte considerável dos soldados do PIG pôs o rabo entre as pernas. Estavam murchos, até este novembro, mas rebrotaram.

Nada mais terceiro-mundista do que meia dúzia de nababos a controlar os meios de comunicação de um país

Quem se referia aos meios de comunicação como PIG era o saudoso Paulo Henrique Amorim, para identificar um fenômeno tipicamente brasileiro: termos uma imprensa que compartilha a mesma ideologia e age em bloco, como um autêntico partido político. É algo característico de nossa história, mas não chega a ser exclusivo, pois se repete em outros países subdesenvolvidos. Nada mais terceiro-mundista do que meia dúzia de nababos a controlar os meios de comunicação de um país, de jornais a emissoras de televisão e rádio, de editoras de livros e revistas a gravadoras de música, de portais de internet a sites de comércio online, das velhas mídias às mais novas.

Quando Paulo Henrique chamava esses conglomerados de PIG, não inventava nada, apenas ridicularizava algo existente. A turma tem até orgulho de atuar­ como partido, como declarou, com toda a candura, a presidente da Associação Nacional dos Jornais (hoje superintendente da Folha de S.Paulo) em 2010, e se acha investida de uma missão: fazer com que seus valores e preferências políticas prevaleçam. Como, aliás, outros partidos: todos querem conquistar e exercer o poder, direta ou indiretamente.

O PIG é irmão do Papol (inventado por Reinaldo Azevedo para identificar o “partido da polícia”) e do PM, o “partido militar”, com filiados de pijama e farda, dedicados a manter suas mamatas. Tem também, é claro, o PLJ, com integrantes e adoradores da Lava Jato, uns usando a “luta anticorrupção” para se dar bem, outros acreditando na lorota.

 

Moro é o candidato dessas excrescências que agem como partidos, mas não é o único. No PM, por exemplo, o capitão ainda tem apoio, comprado a peso de ouro. No Papol, parece predominar a cautela: antes de aderir, preferem esperar para ver quem vai ganhar. A força verdadeira do ex-juiz é o PIG e é a primeira vez que existe uma candidatura presidencial que depende quase que inteiramente dele. Fernando Collor de Melo havia se beneficiado dos préstimos do PIG para se tornar nacionalmente conhecido, mas só entrou para valer no páreo depois de conseguir (e bem usar) três “programas partidários” na televisão. Em 60 dias, no primeiro semestre de 1989, saiu de 5% para 30% das intenções de voto.

A turma do PIG sempre teve candidato, mas nenhum tão “seu” quanto Moro. Não vai ser fácil, no entanto, viabilizá-lo. Em primeiro lugar, terão de convencer o eleitorado que um cidadão sem qualquer qualificação para o cargo merece ser votado por ser “novo” e “corajoso”, depois do fracasso do capitão, que usou e emporcalhou os dois conceitos. Em segundo, será preciso apresentar como popular um candidato incapaz de compreender e dialogar com o povo. Em terceiro, vão ter de apagar seu oportunismo, transformando a enganação em virtude.

É esse o cidadão que o PIG pretende instalar no Palácio do Planalto. Nada sugere, todavia, que conseguirá, graças ao bom senso do povo. Às vezes, se engana, mas, logo adiante, costuma se corrigir e acertar.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1188 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE DEZEMBRO DE 2021

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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