

Opinião
É dever do Congresso agir agora pelas mulheres
A Lei Maria da Penha nos obriga a avançar em novas políticas públicas, tendo em vista que apenas punir o agressor e o assassino não tem sido suficiente para romper com a cultura de violência


O índice alarmante de assassinato de mulheres no país prova que precisamos ir além da Lei Maria da Penha. Punir o crime é essencial, mas cabe ao Estado brasileiro promover cultura preventiva por meio da educação desde os primeiros anos escolares. Proponho, com a experiência de dois anos como Procuradora Especial da Mulher no Senado (2023-2025), um novo pacto nacional para enfrentar esse grave problema que exige ação coletiva.Apesar de deter recentemente o título de melhor legislação do mundo em defesa da mulher, a Lei Maria da Penha é um primeiro passo que nos obriga a avançar em novas políticas públicas, tendo em vista que apenas punir o agressor e o assassino não tem sido suficiente para romper com essa cultura de violência que massacra as brasileiras, que são mais de 50% da população e do eleitorado nacionais.
Proponho, neste novo pacto, uma atuação federativa suprapartidária centrada em três eixos – garantia efetiva de orçamento público para políticas em defesa da segurança e da vida da população feminina; conscientização das crianças e adolescentes por meio das diretrizes curriculares a serem inseridas no Novo Plano Nacional de Educação (PNE), que ora está em discussão no Congresso; e, por fim, reforço de legislação. Essa tarefa é um chamamento à contribuição direta dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, nos âmbitos federal, estaduais e dos mais de cinco mil municípios brasileiros.
Não bastam só discurso no microfone e boas intenções: combate à violência contra a mulher exige medidas concretas, e para ontem. É por isso que – não só no mês de campanha nacional do Agosto Lilás – temos cobrado o Parlamento brasileiro a entregar, à sociedade, novas propostas de leis que já avançaram nas duas Casas – Câmara dos Deputados e Senado. São matérias que precisam apenas de vontade política para serem votadas e aprovadas de forma definitiva, seguindo então à sanção da Presidência da República.
No âmbito do Congresso Nacional, além de trabalhar politicamente no convencimento dos colegas, faço um apelo público à Mesa Diretora da Câmara e aos líderes partidárias da Casa para que sejam pautados os seguintes projetos de lei já aprovados no Senado:
1 – Projeto de lei (PL 3324/2023) que insere emergencialmente, no programa Bolsa Família, as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Apresentei este projeto para incluir mulheres violentadas como beneficiárias prioritárias no Bolsa Família, respondendo a uma necessidade urgente: sabe-se, a esse respeito, que muitas mulheres, ao temer a falta de recursos, voltam a conviver com agressores, que encontram, assim, oportunidades facilitadas de infligir mais violência.
2 – Projeto de lei (PL 3.595/2019), relatado por mim, que reserva, para mulheres vítimas de violência doméstica ou em situação de vulnerabilidade social, pelo menos 5% das vagas de emprego nas empresas terceirizadas que prestam serviços ao governo federal. A reserva de 5% valerá para contratos com a administração direta, autarquias e fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União.
3 – Projeto de lei (PL 3.244/2020) de minha autoria que acelera ação judicial de mulheres vítimas de violência. Deixaremos claro, no texto da Lei Maria da Penha, que os Juizados de Violência Doméstica e Familiar têm, sim, competência para tratar de todas as ações de família. Aprovada a medida, evitaremos a revitimização e haverá mais agilidade nos trâmites, permitindo-se que um mesmo juiz possa cuidar tanto do caso de agressão quanto dos pedidos de divórcio, pensão, guarda de filhos, entre outras demandas.
Ao longo desse caminho para prevenir e combater a violência doméstica contra a mulher, aperfeiçoamos a aplicação efetiva da Lei Maria da Penha e criamos tipos penais para o feminicídio e formas de prevenir e punir outras formas de violência enfrentada pelas brasileiras também fora do lar, como a violência institucional, a violência digital, a violência política e outras.
É hora de entregar mais resultados. Sabemos que a independência financeira é um caminho essencial para tirar a vítima das garras do agressor. E sabemos, também, que a demora em se alcançar uma medida judicial protetiva pode significar omissão que abre portas para o feminicídio. Por fim, sem orçamento público garantido para defender a mulher e tirar do papel os avanços legislativos, vamos enxugar gelo.
Estamos em busca de direitos, não de privilégios. Não haverá avanço na equidade de gênero com apartheid entre homens e mulheres. Temos sensibilizado os parlamentares homens para essa causa civilizatória e coletiva, que beneficia a todos e nos faz virar a página de um machismo e de uma misoginia enraizados em 500 anos de história do Brasil.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.
Leia também

STF forma maioria para reconhecer direito de mulheres vítimas de violência doméstica ao BPC
Por CartaCapital
4 anos da Lei de Violência Política de Gênero e sua nova arena: o ambiente digital
Por Dandara Oliveira de Paula e Luyara Franco