“É a mobilização, estúpido!”

Há uma série de eventos que pressionam a popularidade do governo, combinada com a paralisia da esquerda em termos de mobilização

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Foto: Evaristo Sa/AFP

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Três pesquisas de opinião divulgadas entre o final de fevereiro e o começo de março apontaram a mesma tendência para Lula e seu terceiro mandato: aumento da desaprovação nesse começo de 2024, que é o segundo ano do seu governo e que tem importância particular pela realização das eleições municipais em outubro. 

Primeiro veio a pesquisa da Quaest, que apontou a queda na aprovação de Lula de 60% em agosto de 2023 para 54% em outubro e dezembro, e 51% em fevereiro de 2024. Simultaneamente, a desaprovação aumentou de 35% em agosto para 42% em outubro, 43% em dezembro e atingiu 46% em fevereiro de 2024.

Depois, a pesquisa da Atlas revelou que a aprovação do presidente estava em alta, marcando 52% em setembro de 2023 e janeiro de 2024, mas caiu para 47% em março de 2024. Em contrapartida, a desaprovação era de 46% em setembro de 2023, diminuiu para 43% em janeiro e voltou a 46% em março de 2024.

Por último, o levantamento do IPEC, realizado entre os dias 1º e 5 de março, registrou uma queda na aprovação de 56% em setembro de 2023 para 51% em dezembro e, posteriormente, para 49% em março de 2024. Quanto à desaprovação, houve um aumento de 39% em setembro de 2023 para 43% em dezembro e agora para 45% em março.

Quaest

Atlas


IPEC

Ago/Set

👍 60%

👎 35%

👍 52%

👎 46%

👍 56%

👎 39%

Dez/Jan

👍 54%

👎 42%

👍 52%


👎 43%

👍 51%

👎 43%

Fev

👍 51%

👎 43%

👍 47%

👎 46%

👍 49%

👎 45%

Quando passamos para a segmentação dos dados, não é simples comparar as pesquisas, devido às diferentes metodologias e à margem de erro, que aumenta conforme a amostra diminui. No recorte de escolaridade da Quaest e do Ipec, por exemplo, o melhor desempenho de Lula é entre quem tem ensino fundamental. Já a Atlas destoa, indicando que é entre as pessoas com ensino superior.

De todo modo, com base nos relatórios, é possível inferir que existem dois perfis relativamente cristalizados de aprovação e desaprovação: mulheres negras do nordeste, com renda até 2 salários mínimos e católicas não abandonam Lula, enquanto homens brancos do sul com renda alta e evangélicos são os que mais rejeitam o presidente. Quanto aos demais setores, o que temos é justamente a flutuação de opiniões que, no momento, tem levado a uma piora da avaliação do governo.


A tendência de piora na popularidade surpreendeu os setores de esquerda na medida em que foi captada no mesmo período de divulgação dos resultados positivos da economia no primeiro ano de governo: o PIB cresceu mais do que o esperado, a geração de emprego também, o mesmo ocorreu com a renda do trabalhador e tudo isso com a inflação controlada. E, no mesmo sentido, com a dinâmica político-institucional caminhando para a normalidade, uma vez que o cerco contra Bolsonaro pela tentativa de golpe de 8 de Janeiro vai se fechando, o que o deixou na defensiva e desarticulado politicamente. 

A normalidade institucional, contudo, nem sempre reflete a base da sociedade, que, apesar de cansada das disputas políticas, continua firmemente posicionada de um lado ou de outro. O Atlas perguntou como as pessoas se identificam na polarização e o resultado é expressivo: apenas 11,4% não se declaram nem petistas nem bolsonaristas e somente 0,2% não sabem responder; 31,2% se dizem petistas e 16,5% afirmam não serem petistas, mas serem anti-bolsonaristas, totalizando 47,7%; 32% se veem como bolsonaristas e 8,6% se entendem como não bolsonaristas mas que são anti-petistas, somando 40,6%. É uma proporção muito próxima a do 1º turno das eleições presidenciais de 2022. 

Assim, em tempos de polarização, podemos transformar a clássica frase “é a economia, estúpido!” para “é a mobilização, estúpido!”. O que as pesquisas expressam é que o bolsonarismo já se recuperou do baque político e organizativo de perder as eleições e, logo em seguida, tentar um golpe de Estado, enquanto o campo progressista patina em como capilarizar tanto as ações de governo quanto seus valores na base da sociedade.  

Por exemplo, foi muito comentado na mídia que o principal fator da queda de popularidade de Lula teria sido sua comparação sobre genocídio em Gaza com o Holocausto. Tal conclusão não consta nos relatórios e, posta dessa maneira, é uma forçada de barra de quem se incomodou com a fala do presidente. Ocorre que, nesse começo de 2024, o bolsonarismo colocou em movimento uma estratégia de mobilização para desgastar o governo que usou sim este discurso de Lula, mas também as fake news sobre exploração sexual na Ilha de Marajó e ainda a nota técnica sobre aborto do Ministério da Saúde. É esse conjunto de eventos que pressiona a popularidade do governo, combinada, e isso é fundamental, com a paralisia da esquerda em termos de mobilização. 

A paralisia resulta da concepção majoritária dentro da esquerda de que basta o governo fazer sua parte, acertando a economia e organizando as políticas públicas, e com o tempo a maioria da opinião pública vai reconhecer o bom trabalho e reeleger Lula. Não será assim com a polarização.

Sim, Lula pode ser reeleito, eu diria inclusive que é favorito na disputa em 2026, tanto pelos seus feitos como presidente agora quanto pelo gigantismo de sua liderança. Contudo, é preciso ir além da lógica eleitoral para de fato derrotar o bolsonarismo e a extrema-direita.

É preciso disputar a sociedade para a defesa da democracia e essa disputa só terá êxito com uma dinâmica de mobilização de baixo para cima, assentada nos territórios, com ações concretas que melhorem a vida das pessoas na ponta, com a afirmação ao mesmo tempo firme e não sectária dos valores da solidariedade e com uma linguagem que seja de fato ampla e acolhedora da diversidade do nosso povo. 

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4 comentários

FRANCISCO PEDRO GONCALVES DA ROCHA 12 de março de 2024 12h43
A paralisia da esquerda em termos de mobilização acontece porque o Lula não é, nunca foi, o gigante que lhes parece ser. Então, na verdade, a paralisia resulta da projeção lulista arraigada em amplos e vastos setores do espectro político que as vezes se confunde com um modo de fazer à esquerda.
FRANCISCO PEDRO GONCALVES DA ROCHA 12 de março de 2024 12h45
Quanto à mobilização de baixo para cima e a partir do território, plenamente de acordo. O problema entretanto, como havia dito, é justamente a perspectiva lulista e seu modo tosco e tacanho de idelização/ação.
FRANCISCO PEDRO GONCALVES DA ROCHA 12 de março de 2024 13h09
Há sérias dificuldades no modo de fazer política do Lulismo desde a primeira oportunidade e não se corrigiu após o golpeamento. É um estilo esimesmado, autoreverente, tosco e medroso. O Lula e seus quadros não conciliam porque é um dentre vários métodos, mas porque é o que sabem por falta de perícia. Não havia bolsonarismo em 2003, amplo e enraizado eleitorado evangélico e projeções militaristas na vida pública e institucional. Tudo isso era apenas arremedos e não brotaram do nada, foram precisos anos e anos de omissão e, de certo modo, cumplicidade. Não há mudanças na estrutura da produção social, não mexem com meios de comunicação, com a memória, o discernimento, a crítica...não criticam o enriquecimento injusto, a safadeza parlamentar, os escandalosas salários do judiciário, o coronelismo nos municípios e por aí vai embora.
NELSON JACOMEL JUNIOR 14 de março de 2024 12h10
De fato, Lula tem capacidade de articulação e ação política nacional e internacional. Tem tb seu lado menos atrativo, quando se trata da relação política com o capital. Ele pratica um pouco mais do mesmo, daí ser aceito nestes espaços. Agora, como na lei de trânsito, a ultrapassagem acontece pela esquerda, ie, falta um pouco mais de esquerda no programa. Alguns vão dizer que é a governabilidade. A esquerda, como movimento popular, não acompanha ou não reage, às iniciativas do governo - a dita mobilização é insuficiente, ainda que o partido seja o mais bem apreciado pela sociedade toda, como se viu nas pesquisas recentes. Ou seja, há possibilidade certa de sucesso nesta ação. Desaprendemos a sermos, a realizarmos, a sociedade ao longo dos anos 60 e 70. Está em tempo de aprendermos a fazer mais e melhor política.

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