Douglas Germano opõe o poder infame e o povo digno em novo CD

As composições de Douglas Germano são um xadrez de palavras provocativas, com capacidade de transmitir de forma original mensagens fortes e atuais.

Em seu terceiro álbum solo, Escumalha, recém-lançado, o músico em 10 faixas volta a apresentar o poder da letra na música, com arranjos consistentes. Trata-se, por certo, de um dos grandes discos do ano.

“Escumalha costuma ser utilizada como xingamento, como tratamento a algo inferior. Tento subverter isso, criando uma oposição aos poderosos que negam o Brasil real”, explica.

Na oposição estaria “a ralé, os abandonados, o povo digno do Brasil que gera o que temos de mais sofisticado em todos os sentidos”.

O CD é dividido em duas partes a partir da faixa-título: “Primeiro trato desses ratos cretinos e depois da nossa dignidade que os primeiros querem ocultar e destruir”.

O disco abre com Àgbá, uma canção para Exu. “Uma reverência às suas designações com seus respectivos nomes”, como o próprio compositor define.

Essa canção de abertura já revela a qualidade sonoro desse disco, de produção musical de André Magalhães, sem dúvida um dos maiores do país nesse ofício, com habilidade para extrair o melhor de cada instrumento no momento certo da canção. “Um bruxo”, resume Douglas.

O compositor revela que o CD foi registrado à vera, ou seja, com todos os músicos gravando ao mesmo tempo, com poucos complementos posteriores, o que aumentou ainda mais o papel destacado do produtor musical no trabalho.

Composição com Aldir Blanc

Essa forma de gravação deu mais vida ao disco, muito perceptível no vigor da segunda faixa, Valhacouto, uma parceria de Douglas Germano com o Aldir Blanc.

“Enviei a melodia, ele ouviu, gostou e fez essa letra contundente e necessária”, conta. A letra atualíssima lembra em trecho o amargo período nazista: “Foi na Alemanha que a escumalha fez armas virarem leis / Entraram na guerra pensando em mil anos – a arrogância durou seis…”.

As duas próximas músicas do CD – Vil Malandrão, parceria com Kiko Dinucci (com que já fez um disco em dupla), e Babaca – seguem o “chega para lá no Brasil oficial”, até vir a quinta canção, a faixa-título, do país digno na visão do compositor.

Brasilidades

“Oratório para Nossa Senhora com rosa de plástico e luz / Um São Jorge, um retrato pintado e um Sacré Coeur de Jesus / Yemanjá, Buda e Juremá, pés de arruda, espadas de Ogum / Figa, vela, alecrim, Preto Velho, Dois-Dois / E um pão de Santo Antônio na lata de arroz”, diz o verso de abertura da música “Escumalha”, a força da brasilidade em todas as direções.

Marias e Antônios se transformam em personagem nessa canção: “São figuras tratadas como ‘invisíveis’. Mas invisíveis para quem? Eles são fundamentais em algum sentido como o ‘chapa’ (título da sexta faixa do disco) de beira de estrada; o poder que a mulher tem na liderança da vida cotidiana” – representada na sétima música do CD, Marcha de Maria.

O roteiro segue com Ratapaiapatabarreno ou como diz o refrão da música: “A língua de quem fala quem ouve não tem / A língua que não ouve não fala também”.

Surge a nona música, Insignificâncias (com João Poleto), de incrível beleza inspirada num poema de Manoel de Barros.

“A sabedoria ancestral passada de geração em geração que represento em ‘Tempo Velho’ (título da música que fecha o disco) é uma senha que criei para contar essa sabedoria através dos conselhos de um Preto Velho”, diz o compositor.

Disco essencial

O músico avisa que o público ouvirá ao vivo exatamente o que está no CD, inclusive as intervenções do coro. Uma apresentação acontece no dia 23 de junho, Sesc Itaquera, e outra no dia 12 de julho, na Casa de Francisca, ambas em São Paulo. O disco pode ser adquirido no site da Boca de Lobo produções.

Ouvir Douglas Germano tornou-se ainda mais necessário. Trata-se de reflexões dos dias de hoje por meio da música desse excepcional compositor contemporâneo.