CartaCapital

Diversidade, antidiscriminação e ética empresarial

Recentes casos evidenciam que empresas devem instituir programas de compliance para combater discriminação e melhorar governança corporativa

Apoie Siga-nos no

Diretora de revista que promove festa colonial, assassinato de um jovem negro por um segurança de supermercado, proibição de uma mulher lésbica em frequentar banheiro feminino foram apenas alguns dos recentes casos sucessivos de racismo em empresas que tiveram destaque na imprensa e jogaram o holofote em uma questão fundamental para o desenvolvimento da sociedade brasileira: a diversidade e o combate às discriminações nas empresas.

Atos de violência física e simbólica praticados por funcionários de muitas empresas contra minorias raciais são exemplos do caráter institucional do racismo, fatos que são parte da vida cotidiana de membros desses grupos no nosso país. Eles também revelam o quanto a ausência de políticas internas de promoção de diversidade e de conformidade com normas antidiscriminatórias impede uma contribuição mais efetiva desses agentes para a construção de uma sociedade mais justa, função prevista no nosso texto constitucional.

Além disso, esse atos comprometem de maneira significativa a imagem e a lucratividade dessas instituições em um mundo no qual grupos minoritários se articulam cada vez mais para garantir a devida proteção legal contra práticas excludentes.

O reflexo da ausência de diversidade racial nas empresas

A existência dessas ações discriminatórias expõe um aspecto altamente problemático da cultura corporativa brasileira: a homogeneidade racial do corpo de funcionários, principalmente dos responsáveis pela administração das nossas empresas.

Por causa da ausência das políticas acima mencionadas, eles repetem, enquanto funcionários, comportamentos discriminatórios que exibem no espaço privado, mesmo quando estão tomando decisões que não têm o objetivo de atingir certos grupos de maneira negativa.

A ausência de diversidade racial em empresas públicas e privadas impede que negros participem de vários processos decisórios rotineiros, o que inclui considerações sobre aqueles que serão contratados e promovidos, a forma como seus funcionários deverão tratar clientes, o público ao qual seus produtos serão dirigidos e também o conteúdo do marketing a ser adotado.

A vasta maioria dos nossos empresários acredita que cada uma dessas questões pode ser pensada a partir de critérios baseados na maximização dos lucros, em preferencias pessoais ou nos interesses dos segmentos do mercado que eles querem atingir.

Como não há diretrizes claras de como funcionários devem tratar os vários agentes sociais afetados pela atividade empresarial, eles, muitas vezes, simplesmente reproduzem estereótipos raciais que guiam a ação deles na esfera privada.

Por esse motivo, nossas empresas estão sempre às voltas com processos judiciais e desgastes de imagem que têm custos financeiros imensos, além de falharem em incluir pessoas no mercado de trabalho, o que, como vimos, é uma imposição legal.  

Para melhor governança corporativa, é preciso enxergar o elefante na sala

É importante reconhecer que mesmo as entidades que pretendem adotar medidas destinadas a solucionar problemas dessa natureza encontram obstáculos em uma sociedade que procura encobrir práticas discriminatórias a partir da falsa narrativa da cordialidade racial.

Tentativas de promoção da inclusão de minorias raciais são imediatamente classificadas como violações da meritocracia, até mesmo por pessoas que não chegaram ao lugar que ocupam por competência pessoal.

Assim, tentativas de pautar o que chamamos de governança corporativa pelo princípio da responsabilidade social são vistas como uma ameaça ao status coletivo dos membros do grupo racial majoritário, o que enseja oposição imediata de muitas pessoas que controlam empresas públicas e privadas e também de parte significativa do resto da sociedade. A defesa de interesses particulares ou setoriais impossibilita que elas possam atuar de forma a atender os interesses de todos os grupos que são afetados pela atividade empresarial.

O uso do argumento da meritocracia contra medidas voluntárias de inclusão racial é algo que induz empresas públicas e privadas a incorrer em um grave erro: pensar que meios neutros de seleção e promoção são capazes de selecionar os melhores funcionários, o que garante o desempenho superior da empresa.

Obviamente, esse argumento ignora o papel da discriminação inconsciente e também o fato de que muitas pessoas chegam a posições de comando por fazer parte do círculo íntimo de relações pessoais de membros do grupo racial dominante. Ignorar a realidade da diversidade racial redunda em problemas potenciais para essas instituições porque seu corpo de funcionários não representa o meio no qual atuam.

Menosprezar ou ignorar esse dado redunda em criar obstáculos para o alcance de maiores níveis de sucesso, o que, no mundo atual, depende da consideração de parâmetros éticos para a atividade empresarial.

Um filme recente revelou ao mundo uma história desconhecida pela vasta maioria das pessoas: o papel que um grupo de mulheres negras teve na corrida espacial e na criação e evolução da informática. Elas tiveram que enfrentar uma cultura social e institucional hostil para poderem desenvolver o tremendo potencial intelectual que possuíam.

O interesse pelo filme fez com que histórias similares viessem à tona. O público tomou conhecimento de que a tecnologia de navegação de veículos e a cirurgia a laser foram inventadas por mulheres negras. Isso nos mostra o tremendo custo social e financeiro da discriminação. A aposta na diversidade por empresas americanas mostra o quanto ela pode impactar de forma positiva a operação delas ao impedir que a raça, o gênero e a sexualidade dificultem o desenvolvimento das habilidades de indivíduos que podem contribuir de forma significativa para a sociedade, requisito essencial para o progresso nacional.

Vemos então que o racismo é uma prática social que impede o desenvolvimento de toda a nação ao reproduzir a ideia de que apenas pessoas brancas são agentes sociais competentes.

Uma empresa que segue a legislação antidiscriminatória transforma sua cultura institucional.

Isso permite que seus oficiais identifiquem como formas de discriminação direta, de discriminação indireta, as maneiras como processos mentais como o favoritismo de grupo e também preferencias culturais que identificam membros dos grupos majoritários como funcionários ideais afetam a operação cotidiana da empresa por meio do comportamento de seus funcionários.

É por esse motivo que nossa cultura corporativa deve estar pautada em claros parâmetros éticos para que elas possam atingir os objetivos presentes no nosso texto constitucional. A promoção de medidas de diversidade permite que elas ampliem a capacidade de solução de problemas ao garantir, por exemplo, que a produção de seus produtos e serviços reflita os interesses de diversos setores da sociedade.

Além da preocupação, obviamente legítima, com a violência decorrente de festas coloniais ou com seguranças sempre dispostos a matar negros, a transformação da cultura institucional surge como uma necessidade para essas entidades que também possuem um papel central no desenvolvimento do país, o que requer que a ação delas seja pautada pelo princípio de uma cidadania igualitária e inclusiva.

É hora das nossas empresas abraçarem de forma efetiva políticas de diversidade e medidas de conformidade com leis antidiscriminatórias, requisito essencial para que elas possam alcançar maiores níveis de competividade e de inclusão racial.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo