Aldo Fornazieri

Cientista político, autor de 'Liderança e Poder'

Opinião

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Dissonâncias econômicas

As críticas de petistas ao plano fiscal deixam o governo à mercê da oposição

Dissonâncias econômicas
Dissonâncias econômicas
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
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O PT, por meio de sua presidência e de alguns dirigentes, tem se colocado numa linha crítica às definições da política econômica do Ministério da Fazenda. O fulcro da crítica está na definição da política fiscal, conceituada como “arcabouço fiscal”. As dissonâncias são tão evidentes que a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, recebeu o epíteto de “líder da oposição”.

Os defensores de Gleisi argumentam que ela tem o direito de expressar sua posição, que consiste em defender uma política fiscal expansionista e de redução tributária. Em tese, Gleisi tem esse direito. A democracia permite que qualquer um possa se manifestar sobre quase tudo. Mas ela não é uma qualquer. É presidente do principal partido do governo. Na ação política, as liberdades e direitos opinativos são amarrados por uma série de condicionalidades determinadas pelas circunstâncias e pelo lugar que cada um ocupa no conjunto das relações de alianças e conflitos. Assim, a liberdade de opinião não é absoluta. A depender da posição do agente, a liberdade de opinião pode ser condicionada pelos princípios da responsabilidade, da prudência e da lealdade. A liberdade de opinião da presidência do PT, ao menos nos temas centrais das políticas do governo, está condicionada exatamente por esses princípios.

Fora disso é jogar o governo à mercê dos ataques da oposição, criar desconfianças na sociedade e nos agentes econômicos e dificultar a eficiência na execução das políticas públicas governamentais. O resultado das dissonâncias internas em um governo que enfrenta enormes dificuldades políticas é sabido: o enfraquecimento do governo e a tendência ao fracasso.

As potências de estragos das críticas de eminentes petistas são ainda maiores por serem equivocadas. As sinalizações que o ministro Fernando Haddad tem dado à política econômica estão no rumo certo. Qualquer governo prudente arruma a casa no seu primeiro ano, principalmente quando encontra um ambiente de escombros e de terra arrasada, como este deixado pelo governo Bolsonaro. A tarefa central consiste em buscar o equilíbrio entre responsabilidade fiscal e responsabilidade social. Ambos são princípios do bom governo, destacando que a responsabilidade fiscal é condição necessária da responsabilidade social. Esse equilíbrio é ainda mais necessário em face da alta dívida pública herdada, em consequência da irresponsabilidade e do eleitoralismo do governo anterior.

O expansionismo fiscal defendido por petistas consistiria em aumentar o gasto e reduzir impostos. Como quase tudo em política, o que parece ser virtuoso em determinado momento pode se revelar vicioso. E vice-versa. É o caso da política fiscal em foco. Adotar políticas expansionistas em momentos de alto endividamento significa caminhar para o descontrole, que provocará o aumento dos juros pagos aos credores, inflação, aumento do custo da dívida e aumento do dólar. Essas consequências prejudicarão acima de tudo os mais pobres e o desempenho do crescimento. O efeito seria o contrário do imaginado. No fim das contas, a política de gastos frouxos e irresponsáveis determinaria a necessidade de uma forte política contracionista.

O arcabouço fiscal tem uma oportunidade excelente de buscar o equilíbrio, evitando o expansionismo irresponsável e o contracionismo que prejudicariam os mais pobres. Arrumar a casa agora é condição para garantir boas condições de governabilidade nos últimos anos de governo. Condição para chegar bem no fim do mandato e impedir o retorno da extrema-direita. O princípio do equilíbrio deve ser flexível, permitindo que a política fiscal se mova para um lado ou para outro, segundo as necessidades determinadas pelas circunstâncias e conjunturas. Trata-se agora de buscar o equilíbrio evitando o crescimento da dívida e recompondo receitas para garantir os direitos, os programas sociais e as políticas públicas.

A reoneração dos combustíveis buscou esses objetivos. Foi atacada pelos políticos bolsonaristas e por alguns dirigentes do PT. A desoneração foi eleitoreira, irresponsável e regressiva. Beneficiou mais as classes médias e prejudicou os mais pobres que precisam do apoio de recursos públicos. Além disso, estimulou o consumo de um combustível fóssil num momento em que o mundo precisa reduzir drasticamente esses produtos que estão levando o mundo a um desastre sem precedentes, como mostrou o relatório do IPCC da ONU divulgado nos últimos dias.

O Brasil precisa avançar com uma reforma tributária redistributiva, com taxação dos super-ricos, dos lucros e dividendos e com o fim dos subsídios arbitrários. A justiça tributária é condição decisiva para a justiça social e para a redução das desigualdades. •

Publicado na edição n° 1252 de CartaCapital, em 29 de março de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Dissonâncias econômicas’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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