Carlos Drummond

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Editor de Economia da edição impressa de CartaCapital

Opinião

Diretriz da Vale, maximização de lucros beneficia apenas acionistas

Ao contrário do que faz a empresa, distribuir lucro aos acionistas deveria ser a última prioridade, não a primeira

Barragem da Vale se rompe em Brumadinho (MG). (Foto: Agência Brasil)
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“Aumentar os lucros e o patrimônio dos acionistas é uma reivindicação residual, inferior a todas as outras obrigações. As diretorias e a gerência são obrigadas a cumprir todos os compromissos da empresa, que incluem pagamentos a funcionários, fornecedores, credores, de quitação de impostos, garantia de produtos, atendimento às exigências regulatórias e legais, inclusive de regras de segurança do trabalho, dos produtos e ambiental”, dispara Susan Webber, diretora da consultoria Aurora Advisors Incorporated, de Nova York. A Vale, a exemplo de várias outras grandes empresas, sempre reafirmou a prioridade total à maximização dos lucros. Os números dos balanços dos últimos anos da companhia mostram ascensão dos resultados muito acima da média do mercado acompanhada de redução dos investimentos em segurança humana e ambiental.

A generalização da meta de obter sempre o máximo de lucro a curto prazo, aferido de três em três meses em demonstrações financeiras intermediárias exigidas não só pelos acionistas mas por órgãos de controle e bolsas de valores, contrasta com a ausência de imposições legais nessa direção, como explica a consultora: “Se você analisar qualquer um dos inúmeros guias preparados para diretores de empresas por escritórios de advocacia e outros especialistas, não encontrará uma estipulação para que eles maximizem o valor para os acionistas na lista de coisas que devem fazer. Não é um requisito legal”. Aquilo que é definido como meta prioritária e quase absoluta deveria ser a última prioridade, reforça Webber. Diretores e executivos, prossegue, em termos gerais têm o dever de cuidar da corporação e a ela serem leais. A partir disso, derivam obrigações específicas estabelecidas na legislação local e federal. “Mas, atenção, essas responsabilidades são da companhia, não dos acionistas em particular, que estão bem no final da linha. Eles só devem abocanhar sua parte nos resultados depois que todos os outros participantes são atendidos.”

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Há outros questionamentos ao mantra gerencial da maximização dos lucros além daqueles que se referem à prioridade do atendimento às obrigações com a sociedade e o meio ambiente. Segundo o economista britânico John Kay, quando as empresas tentam maximizar o valor para os acionistas elas não conseguem fazer “abordagens oblíquas”, algo parecido com “pensar fora da caixinha”. Isso é  um problema, explica Kay, porque as abordagens oblíquas são as mais efetivas para dar conta de conjunturas complicadas ou quando os ganhos dependem de interações com outros. “A obliquidade é a ideia de que os objetivos são com frequência melhor atingidos quando perseguidos indiretamente”, prossegue Kay.

A obliqüidade, diz, dá origem ao paradoxo da busca da lucratividade: as companhias mais lucrativas não são as mais orientadas para o lucro. “A ICI e a Boeing ilustram como um foco maior no retorno dos acionistas foi autodestrutivo em seus próprios termos estreitos.”

Em 2010, as 500 maiores empresas dos Estados Unidos geraram 10,7 trilhões de dólares em vendas, obtiveram 702 bilhões em lucros e empregaram 24,9 milhões de pessoas no mundo. O que parece ser uma boa notícia embute problemas graves precisamente por causa da prioridade dada à maximização dos lucros por parte das empresas, aponta o economista William Lazonick, professor da Universidade de Massachusetts, nos EUA:  “Nas últimas três décadas, altos executivos têm recompensado a si próprios com pacotes de milhões de dólares entre mega-rendimentos e outros benefícios enquanto os trabalhadores estadunidenses sofreram com o desaparecimento implacável dos empregos da classe média. Desde a década de 1990, esse esvaziamento da classe média afetou inclusive uma grande quantidade de pessoas com alto nível educacional e experiência de trabalho”.

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Os lucros corporativos, prossegue Lazonick, são destinados cada vez mais à recompra de ações e distribuição de dividendos, mas muito pouco segue para pesquisa e desenvolvimento, reinvestimento de capital e geração de empregos. Em outras palavras, as corporações estão dedicando cada vez mais recursos financeiros consideráveis e crescentes à redistribuição de lucros aos acionistas, e não à inovação. “Eles estão fazendo isso com base na justificativa de “aumentar o valor para o acionista. No entanto, quando esse mantra se torna o principal foco das empresas, os executivos geralmente se concentram em evitar impostos em benefício de maiores lucros e não pensam duas vezes em eliminar postos de trabalho de modo permanente. Eles também aumentam as distribuições de caixa corporativo para os acionistas na forma de dividendos e, com maior destaque ainda, para recompras de ações.” Essas recompras pela empresa, cabe acrescentar, têm sido contínuas e ampliam sem interrupção o já elevado volume de dividendos distribuídos aos acionistas.

Quando uma corporação se torna financeirizada dessa maneira, chama atenção Lazonick, os altos executivos não se preocupam mais em investir nas capacidades produtivas dos empregados, a base para elevar os padrões de vida. Em vez disso, eles se concentram em gerar lucros financeiros que possam justificar preços de ações cada vez mais altos – em grande parte porque, através de sua remuneração baseada em ações, os altos preços das ações se traduzem em mega-ganhos para os próprios executivos corporativos.

“Não é bonito de se ver. Passamos de uma sociedade na qual os interesses corporativos estavam em grande parte alinhados com aqueles de propósito público mais amplo para uma situação em que o capitalismo de compadrio, a fraude contábil e a predação corporativa são características predominantes … Quanto ao resto de nós, somos obrigados a lutar pelas migalhas”, dispara o economista.

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