Opinião

Diplomacia cidadã não comporta manter acordo militar com país que viola o direito humanitário

Embora o Brasil seja ator coadjuvante, ao corrigir erros diplomáticos, o País pode contribuir para soluções, escreve Milton Rondó

Fumaça e fogo sobem dos edifícios enquanto as pessoas se reúnem em meio à destruição após um ataque israelense à Cidade de Gaza. Foto: Omar El-Qattaa / AFP
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“Nenhuma pessoa pode permanecer sadia a longo prazo se não tiver a impressão de poder ter uma influência criativa sobre a própria vida, nas decisões e nas ações. Isso vale do mesmo modo para maridos, mães sozinhas, desempregados, trabalhadores da linha de montagem de fábricas, executivos e assim por diante. Aquele que continuamente passa pela experiência: ‘Eu sou tão fraco diante de tudo!’ é levado a deixar escorrer pelas mãos o êxito da vida. E isso traz doença. Aquele que quer viver sadio e saudável precisa, para o êxito de sua vida, da experiência recorrente de achar que: ‘Eu estou com minha vida nas mãos, naqueles aspectos importantes para mim…e sua doação para os desafios e encargos têm o direito a um feedback, ao reconhecimento e à dignificação social” – Wunibald Müller e Anselm Grün

O mundo assiste estarrecido ao massacre da população civil em Gaza.

Israel repete as mesmas táticas empregadas na morte de toda a representação da Organização das Nações Unidas, então alojada no Hotel Rei Davi, em Jerusalém, em 1949: primeiro, a ameaça terrorista para evacuação; em caso negativo, a explosão pura e simples do prédio e das pessoas que nele estivessem.

Foi assim que mataram os 91 funcionários da ONU naquele atentado, inclusive o representante permanente Folke Bernadotte, responsável pela partilha do território da Palestina em dois estados.

O cabeça daquela ação terrorista foi Menachen Begin, posteriormente primeiro-ministro de Israel, a demonstrar que o terrorismo, de fato, é intrínseco ao Estado.

Atualmente, o governo de extrema-direita israelense segue à risca aquela prática, havendo assassinado, impunemente, 64 funcionários da ONU na Faixa de Gaza, desde o dia 7 de outubro.

Pior, na Cisjordânia, 120 palestinos foram mortos no mesmo período, estando toda a população à mercê do exército israelense e dos colonos judeus armados, que exercem todo tipo de arbitrariedades contra o povo originário, que vão de ameaças (que muitas vezes se cumprem, como relatado acima), passando por prisões sem mandado judicial ou julgamento, até os assassinatos, que jamais são apurados.

As vítimas do Holocausto nazista, de ontem, se tornaram os carrascos do Holocausto palestino, de hoje.

Da forma mais impiedosa, Israel descumpre toda e qualquer obrigação internacional: da resolução da ONU, pedindo trégua humanitária e corredores humanitários, às Diretrizes Voluntárias para a realização do Direito à Alimentação, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura.

Com efeito, em seu parágrafo 16.1, aquelas Diretrizes preveem que: “Os alimentos nunca devem ser utilizados como meio de pressão política e econômica.”

Exatamente o que Israel vem fazendo…

Pior, o Estado sionista deu ordem de evacuação para hospitais em Gaza. Como evacuar um hospital superlotado?

Obviamente, isso é impossível, como responderam os médicos.

Inútil, portanto, continuar passando resoluções no Conselho de Segurança ou na Assembleia Geral da ONU, pois Israel as descumpre sistemática e despiedadamente.

Ao Brasil, caberia retomar a cooperação humanitária com a Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos no Oriente Médio, a UNRWA, interrompida após o golpe de Estado de 2016 e não retomada.

Caberia, também, ter menos ingenuidade e – neste momento de acumular todos os esforços em prol do alívio humanitário dos palestinos – evitar “tiros na água”, não reivindicando o impossível – o fim do veto dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, pois isso (até o concreto armado do belo prédio modernista da ONU sabe) não tem a menor possibilidade de ser aprovado.

A compreensão do papel relativo da ONU terá também a virtude de motivar o chanceler brasileiro a viajar ao Oriente Médio, como já fizeram seus homólogos dos Estados Unidos, da Alemanha, da França e do Irã, mais ágeis em perceberem quais são os fóruns de negociação que verdadeiramente contam neste momento.

Nesse sentido, embora o Brasil seja ator coadjuvante, ao corrigir erros diplomáticos, o País pode contribuir para soluções.

A anunciada visita do presidente da Ucrânia ao País parece corroborar esse truísmo.

Tendo saído da parcialidade de um primeiro momento, com voto equivocado na ONU (que chegou a ser comemorado pelo chanceler…), o Brasil retornou a uma posição equidistante, em que reconhece a agressão russa, mas também entende que não se originou no vácuo, mas da beligerância prévia da organização militar do Tratado do Atlântico Norte.

Por falar em tratado militar, que tal o Brasil denunciar os acordos militares que tem com Israel? Não seria o mínimo sinal a ser dado em agravo às práticas da pátria sionista? Não deveríamos adotar isso como prática de diplomacia cidadã? Não manter acordo militar com qualquer país que viole o direito humanitário!

Não estaria na hora de termos uma diplomacia cidadã, baseada na ética?

Uma diplomacia de resultados externos e não apenas de lacração. Parte das embaixadas, muitas vezes, dispersa energia vital na construção de imagem para Brasília, em prejuízo de atuar em prol das relações com os países onde estão e em proveito das populações brasileiras no exterior.

Para tanto, são necessários instrumentos práticos, como um conselho de política externa, e uma compreensão mínima por parte da imprensa de como funciona um chancelaria.

Que desafios! A Palestina merece todo o nosso esforço!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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