Alberto Villas

[email protected]

Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Dinheiro, pra que dinheiro?

Durante a pandemia, eu passei uns seis meses sem ver a cor do dinheiro. Nem me lembrava mais se tinha nota de dois reais ou não

Foto: Arquivo Pessoal
Apoie Siga-nos no

Em meados dos anos 1990, a revista Life fez uma lista de coisas que iam desaparecer no futuro. Uma delas era o dinheiro. Em papel e em moeda. Quando li, achei que esse futuro ainda estava muito longe e que eu não viveria pra ver.

Eu me lembro do meu pai, todo dia primeiro, indo ao Banco do Brasil pra receber o seu ordenado. Ele levava tudo em dinheiro vivo pra casa e, de noite, distribuía as notas em envelopes pardos que entregava para a minha mãe.

Mercado, escolas, luz, gás, telefone, empregada, prestação da Rural, médico, mesada dos filhos… tinha um envelope que era para diversos, e foi com esse envelope diversos, guardados durante anos, que a minha mãe comprou um apartamento na Rua Buenos Aires.

Do meu pai, eu me lembro também que ele guardava as notas de cruzeiro em ordem: 1 cruzeiro, 2 cruzeiros, 5, 10 e assim por diante. O meu pai não era rico, mas andava com uma carteira de couro recheada de notas, de dinheiro. Não sei quanto tinha ali, mas para mim, sempre era muito.

Compositores sempre se inspiraram no dinheiro para compor: Dinheiro, pra que dinheiro? (Martinho da Vila), Não me amarro a dinheiro não (Caetano), Dinheiro, dinheiro, mim gostar de ganhar dinheiro (Ultraje), Não quero dinheiro (Tim Maia) e, no Carnaval, todos pulavam ao som de ei, você aí, me dá um dinheiro aí…

Isso sem contar aquele clássico de Paulo Vanzolini: Na Praça Clovis/Minha carteira foi batida/Tinha 25 cruzeiros e o teu retrato/Vinte e cinco/Eu, francamente achei barato/Pra me livrarem/Do meu atraso de vida…

Durante a pandemia, eu passei uns seis meses sem ver a cor do dinheiro. Nem me lembrava mais se tinha nota de dois reais ou não.

Nota de 200, nunca vi uma. Sei que tem porque li no Google.

Uma pesquisa publicada numa revista francesa revelou que o dinheiro mais sujo do mundo é o dinheiro turco. Foi nas notas de lira turca que o laboratório que fez a pesquisa encontrou mais bactérias.

Minha mulher tem nojo de dinheiro, não gosta de pegar em nenhuma nota, porque acha a coisa mais imunda do mundo.

Você se lembra quando o nosso dinheiro era sujo e rasgava? Era comum ver notas coladas com durex. Tinha gente que não aceitava.

Você se lembra quando o Cildo Meireles criou a nota de zero cruzeiro? E quando carimbaram nas notas Quem Matou Herzog?

Hoje em dia, eu raramente ando com dinheiro, pego em dinheiro. Outro dia estávamos pensando o perrengue que os mendigos devem estar passando. Ninguém mais anda com trocado para dar a eles. Aqueles caras que limpam o parabrisa sem você pedir não estão faturando mais nada. A não ser que aceitem Pix.

Enfim, a Life acertou em cheio. O dinheiro está com os dias contados. Numa caixinha aqui em casa, guardo algumas notas de alguns países só por recordação. Dia desses vou procurar saber quanto está valendo uma nota de 250 dinares, com a cara do Sadam Hussein. Tenho uma novinha. Quem sabe está valendo um punhado de dólares?

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo