Drauzio Varella

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Médico cancerologista, foi um dos pioneiros no tratamento da AIDS no Brasil. Entre outras obras, é autor de "Estação Carandiru", livro vencedor do Prêmio Jabuti 2000 na categoria não-ficção, adaptado para o cinema em 2003.

Opinião

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Diabetes e pandemia

Se, de fato, pessoas infectadas pelo coronavírus apresentarem um risco aumentado para diabetes, o impacto na saúde pública será grande

Vacinação contra a Covid-19 no Reino Unido. Foto: Yui Mok/POOL/AFP
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Desde o início da pandemia ficou claro que pessoas com diabetes corriam risco de apresentar as formas mais graves da ­Covid-19. Logo em maio de 2020, a revista The Lancet Diabetes & Endocrinology­ publicou uma série de recomendações para os cuidados que os médicos deviam ter com os pacientes com diabetes, durante a pandemia.

A mesma revista avaliou o risco de morte em pessoas com diabetes ao contrair o SARS-CoV-2. Depois de ajustar estatisticamente fatores como sexo, idade, etnia, região geográfica e situação econômico-financeira, foi demonstrado que pacientes com diabetes do tipo 1 correm risco de morte 3,5 vezes mais alto do que aqueles com Covid-19, mas sem diabetes. No caso dos que sofrem de diabetes do tipo 2 esse risco foi duas vezes mais alto.

No mesmo número da revista foi publicado um estudo mostrando que, nos dois tipos de diabetes, a mortalidade guarda relação direta com os níveis de hiperglicemia, isto, é quanto mais elevada a glicemia, maior o risco de perder a vida.

Os autores chamaram atenção para a importância do controle adequado do diabetes durante a pandemia, porque o descontrole das taxas de açúcar no sangue compromete a resposta imunológica e dificulta a defesa contra infecções.

À medida que a pandemia progrediu ficou evidente que Covid-19 e diabetes interagem de acordo com uma fisiopatologia complexa. O prognóstico da infecção pelo Coronavírus em pessoas com diabetes não só é mais grave, como pode desencadear complicações como a cetoacidose e o aumento dos níveis de glicemia, eventualidades que podem levar à morte.

O mecanismo, provavelmente, envolve a enzima conversora da angiotensina (ACE2), na qual o vírus ancora para entrar nas células, causando a síndrome respiratória aguda. Como essa enzima está presente nas células beta do pâncreas, o Coronavírus pode destruí-las, comprometendo a produção de insulina, causa de hiperglicemia e cetoacidose.

Essas observações levaram à suspeita de que a infecção pelo SARS-CoV-2 pudesse causar diabetes em pessoas sem a doença. Os dados, no entanto, não permitiram estabelecer a relação de causa e efeito. Há um mês, a mesma revista publicou um estudo conduzido com grande número de participantes que aborda essa questão.

Epidemiologistas do Hospital dos Veteranos em Saint Louis, nos Estados Unidos, compararam o risco de desenvolver diabetes nos 12 meses seguintes à ­Covid-19 com o de um grupo-controle formado por pessoas que nunca foram infectadas pelo Coronavírus.

Participaram 180 mil mulheres e homens que sobreviveram à doença. A metodologia empregada pelos pesquisadores foi a mesma que lhes permitiu demonstrar, meses atrás, que pacientes curados de Covid-19 correm risco mais elevado de desenvolver insuficiência renal, insuficiência cardíaca e AVC.

O presente estudo revelou que a infecção pelo SARS-CoV-2 aumenta em 40% o risco de desenvolver diabetes nos 12 meses seguintes. Praticamente, todos os casos foram de diabetes do tipo 2, aquele em que as células se tornam resistentes à insulina ou o pâncreas perde a capacidade de produzi-la em quantidade suficiente (no tipo 1, o pâncreas não produz insulina).

A probabilidade de surgir diabetes no ano seguinte aumenta de acordo com a gravidade da Covid. Aqueles hospitalizados na fase aguda da infecção, bem como os que precisaram ser internados em UTI, correram três vezes mais risco de desenvolver diabetes do que os participantes do grupo-controle.

Mesmo os que apresentaram formas leves da doença tiveram risco mais alto para diabetes, no decorrer de um ano. Pacientes com índice de massa corpórea (IMC) na faixa da obesidade tiveram mais que o dobro de risco, nesse período.

Apesar do rigor com que os epidemiologistas conduziram a pesquisa, há ainda alguns pontos obscuros:

1. Os participantes são veteranos de guerra, na maioria homens brancos, mais velhos, muitos dos quais com pressão alta e excesso de peso. Os resultados seriam os mesmos em outras populações?

2. Será que os participantes não poderiam ter diabetes não diagnosticado antes da Covid?

3. No grupo-controle não poderia haver casos de Covid assintomática?

A OMS contabiliza pelo menos 600 milhões de pessoas infectadas pelo ­S­ARS-CoV-2. Um aumento do risco de diabetes entre elas – por pequeno que seja – terá grande impacto na saúde pública. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1206 DE CARTACAPITAL, EM 4 DE MAIO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Diabetes e pandemia”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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