Drauzio Varella

drauzio@cartacapital.com.br

Médico cancerologista, foi um dos pioneiros no tratamento da AIDS no Brasil. Entre outras obras, é autor de "Estação Carandiru", livro vencedor do Prêmio Jabuti 2000 na categoria não-ficção, adaptado para o cinema em 2003.

Opinião

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Diabetes e obesidade

Um maior nível de atividade física e a adoção de uma dieta com menos gordura e carboidratos seria a melhor forma de controlar a epidemia em curso

Diabetes e obesidade
Diabetes e obesidade
Foto: Marcos Santos/USP Imagens
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O diabetes tornou-se uma epidemia mundial. Segundo o Atlas publicado pela Federação Internacional de Diabetes existiriam, no mundo, cerca de 537 milhões de pessoas com a doença, 80% das quais vivendo nos ­paí­ses em desenvolvimento, como o nosso. As previsões são de que, em 2030, haverá 643 milhões e, em 2045, 784 milhões.

A mesma Federação estima que, no Brasil, cerca de 17 milhões de mulheres e homens na faixa dos 20 aos 79 anos de idade convivem com o diabetes. O País ocupa o quinto lugar mundial em incidência, atrás apenas de China, Índia, Estados Unidos e Paquistão.

Esses números devem ser tomados com reservas, uma vez que se baseiam em dados obtidos com pessoas que já receberam o diagnóstico, isto é, naquelas com glicemia de jejum de 126 ou mais, o critério estabelecido pelas associações internacionais para caracterizar a enfermidade.

Há, no entanto, muita gente nas ruas com glicemia acima desses níveis, sem apresentar qualquer sintoma e sem desconfiar de que sofre de uma doença que, nas fases iniciais, é silenciosa.

Há tempos ficou clara a relação entre a obesidade e a instalação do diabetes do tipo 2, que quase sempre ocorre na vida adulta. A obesidade não tem importância apenas na instalação da doença, mas no controle da glicemia daqueles que dependem de insulina e de outros medicamentos hipoglicemiantes. Como regra, quanto maior o peso corpóreo, maior a dificuldade em controlá-la.

No International Journal of Obesity, a equipe de Hong-jie publicou uma metanálise (avaliação de vários estudos) para quantificar o risco de desenvolvimento de pré-diabetes de acordo com o peso corpóreo. Pré-diabetes é uma condição que inclui pessoas que apresentam glicemias de jejum ente 100 e 125, ou seja, na faixa intermediária entre a da normalidade e a do diabetes.

Vale lembrar que o Índice de Massa Corpórea (IMC) é calculado dividindo-se o peso em quilogramas pela altura em metros ao quadrado (IMC= peso/altura x altura).

O IMC abaixo de 18,5 cai na faixa de baixo peso; entre 18,5 e 24,9, na faixa de peso normal ou adequado; entre 25,0 e 29,9, significa sobrepeso; acima de 30, obesidade, e quão mais alto for o número, mais grave ela será.

Na metanálise foram avaliados 84 estudos sobre o tema, que envolveram 2,69 milhões de participantes de 20 países.

Quando comparados aos que têm peso adequado, os participantes na faixa de “baixo peso” correm risco 7% menor de evoluir para o grupo com pré-diabetes. Aqueles na faixa de sobrepeso correm risco 2,2 vezes mais alto. Já entre os que caem na faixa de obesidade o risco aumenta 4,5 vezes. Entre os que estão com IMCs acima de 40 (obesidade grave) o risco passa a ser 23 vezes mais alto.

O conceito de pré-diabetes foi criado por sociedades médicas norte-americanas nos anos 1990, para caracterizar pessoas com glicemias de jejum pouco elevadas (entre 100 e 125), que não chegam a caracterizar diabetes. A maioria das Sociedades Europeias de Endocrinologia considera esse conceito inadequado, por dar a entender que elas evoluirão para diabetes, inevitavelmente.

Não é o caso. Um estudo realizado pelos Centers for Diseases Control, dos Estados Unidos, mostrou que, acompanhados durante cinco anos, apenas cerca de 20% desenvolvem diabetes franco. Os demais continuam com glicemias abaixo de 126.

Vários estudos confirmaram que a administração de metformina para esse grupo reduz o número dos que evoluem para diabetes. Seria razoável tratar todos os que atingissem tais níveis de glicemia, sabendo que 80% deles não desenvolveriam diabetes nos cinco anos seguintes, mesmo sem medicação?

Não seria mais razoável convencê-los a perder peso, aumentar os níveis de atividade física e adotar dietas ricas em fibras vegetais, com menos gordura e carboidratos?

Atenta às oportunidades comerciais, a indústria farmacêutica está empenhada em desenvolver medicamentos novos, específicos para essa população. O mercado é enorme. Nos Estados Unidos, representa cerca de 80 milhões de pessoas e, no Brasil, perto de metade desse número.

O assim chamado pré-diabetes é uma condição reversível a partir de intervenções simples, ao alcance de todos nós. Aqui vale a mensagem de saúde pública que tenho repetido à exaustação: “Não dá para passar o dia sentado, comendo tudo que nos oferecem”. •

Publicado na edição n° 1276 de CartaCapital, em 13 de setembro de 2023.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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