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Detesto Dallagnol, mas…

Não se pode aplicar ao deputado a mesma régua do lavajatismo

O procurador Deltan Dallagnol. Foto: Heuler Andrey/AFP
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Um minuto…

Detesto tudo o que Deltan Dallagnol representa. Detesto a venalidade escondida atrás das cruzadas contra a corrupção política. Detesto os que se dispõem a usar o tema da corrupção para construir uma carreira e ganhar fama. Detesto os covardes que usam os cargos para perseguir seus adversários políticos. Detesto a hipocrisia dos “políticos que não são políticos”. Detesto aqueles que fazem todo o percurso político fingindo não ter qualquer interesse político e, desta forma, negam a beleza da política, que consiste justamente em tomar partido e fazer escolhas com base em convicções. Detesto os que constroem a sua biografia política usando a “imparcialidade” do sistema judicial. Detesto os seus métodos, a sua covardia, a falsa moralidade. Detesto os parceiros políticos de Dallagnol e detesto, em particular, Sergio Moro, a sua mediocridade, o seu vocabulário limitado, a sua vulgaridade. Detesto os que usam a prisão como arma política e os que são capazes de, injustamente, causar o sofrimento de outros com o objetivo de subir na vida. Detesto aqueles que em público reclamam a mais pura intenção, enquanto na sombra exibem o punhal e recorrem ao golpe de mão. Detesto a moral do mafioso – larga a arma, traz os cannoli.

Detesto tudo isso. E é tudo isso que me leva a dizer que não gostei do que foi feito contra o mandato do deputado Dallagnol. Tenho demasiado respeito pelo mandato popular para achar que este pode ser cassado por questões administrativas menores.

O que aconteceu no Supremo Tribunal Eleitoral é revelador de uma desconsideração da soberania popular inaceitável, seja qual for o ponto de vista democrático. A justiça eleitoral pode e talvez deva atuar com rigor antes da eleição, na verificação das condições de candidatura. Mas depois dos votos contados, depois da eleição, o respeito devido à escolha popular não deve ser posto em causa por motivos fúteis.

Acontece que os motivos invocados na decisão de cassação não me convencem e, ao contrário, me parecem absolutamente desatinados. Dizem os juízes, se bem entendi, que o deputado não era inelegível, mas que estaria a fugir de uma punição e que essa punição, se tivesse ocorrido, o tornaria inelegível. É dessa forma que cassam um mandato popular conquistado numas eleições que todos consideraram livres e justas.

Não posso acreditar que seja o único a achar tal raciocínio jurídico completamente ridículo. E o mais assustador é verificar que a votação foi por unanimidade e não durou mais de um minuto. Um minuto. Foi esse o tempo de debate que os senhores juízes dedicaram à desconsideração do voto popular que elegeu um deputado. Um minuto. Dá o que pensar.

E, por favor, poupem-me aos lamentáveis argumentos de que o visado merecia. Não, não se trata do visado, trata-se da democracia. Não se trata do titular, trata-se do voto popular. Não se trata de Dallagnol, trata-se de justiça e trata-se justamente de não lhe fazer o que fez a outros, entre os quais se conta o atual presidente da República. A democracia não usa esses métodos. E se alguém quer pessoalizar a decisão judicial então erra duas vezes – erra na substância e erra na sua justificação.

A justiça democrática é impessoal e sabe que todo poder emana do povo, mesmo as regras constitucionais que limitam esse poder e que se costumam chamar de garantias. Quem passou os últimos anos a combater a Lava Jato, operação na qual a personagem em questão foi protagonista, não o fez com nenhuma expectativa de vingança. Fê-lo em defesa do direito democrático, fê-lo por decência democrática.

Desculpem os meus amigos, mas esse ato nada tem de democrático nem de decente. E quando assim pensamos, sem prejuízo de melhor análise, que não estou a ver qual possa ser, o nosso dever é dizê-lo publicamente. Principalmente se é um personagem que nos é antipático. Principalmente se é um adversário político. O combate à Lava Jato foi feito por gente que não pensou no seu interesse, mas em fazer o que era correto. O combate à Lava Jato foi justamente para evitar a criminalização daquilo que não gostamos politicamente. Pois bem, é exatamente o que vejo neste caso, uma vingança política que recorre ao mais desprezível ativismo judicial.

Pronto, está dito. Agora estou melhor. •

Publicado na edição n° 1261 de CartaCapital, em 31 de maio de 2023.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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