Celso Pansera

Presidente da FINEP

Opinião

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Destinar 25% do Fundo Social do Pré-Sal para Ciência e Tecnologia é estratégico para o País

Trata-se de injetar algo entre 150 bilhões e 160 bilhões de reais em um setor onde sabidamente é possível obter bons resultados

Destinar 25% do Fundo Social do Pré-Sal para Ciência e Tecnologia é estratégico para o País
Destinar 25% do Fundo Social do Pré-Sal para Ciência e Tecnologia é estratégico para o País
A iniciativa garantiria mais de 150 bilhões de reais para o setor - Imagem: Agência Petrobras
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O Fundo Social do Pré-Sal foi criado pela Lei nº 12.351/2010. Entre seus objetivos centrais está a formação de uma poupança pública de longo prazo, instituindo fonte para o financiamento do desenvolvimento social do País a partir da renda formada pelas atividades de produção e exploração do petróleo.

O art. 47 da lei afirma que este desenvolvimento social deve considerar as diferenças regionais, através de programas e projetos em âmbitos como combate à pobreza, educação, cultura, saúde pública, ciência e tecnologia, bem como meio ambiente e mitigação e adaptação às alterações climáticas.

A lei de 2010 previa, porém, que apenas os recursos resultantes de ganhos financeiros ou retorno sobre o capital poderiam ser investidos nestes ­eixos sociais. O valor principal arrecadado deveria continuar acumulando junto ao Tesouro. Em 2013, a sanção da Lei 12.858 estabelece uma modificação muito grande no uso dos recursos do fundo. A partir dela, metade dos valores recebidos passou a ser gasta em Educação e Saúde.

Além disso, os royalties e a participação especial designados à União do campo geológico denominado pré-sal – e com declaração de comercialização anterior ao dia 3 de dezembro de 2012 – passaram a ser destinados em sua integralidade ao Fundo Social, elevando de forma abrupta e contínua os seus valores acumulados.

Segundo um estudo do especialista em petróleo e gás Paulo César Ribeiro Lima, publicado em 2016 e atualizado em fevereiro de 2022, o Fundo Social do Pré-Sal recebeu, entre 2011 e 2021, 90,9 bilhões de reais. Cerca de 50% dos recursos foram destinados à Educação e Saúde. A outra metade ficou no caixa da União, ajudando a compor o seu saldo primário.

Paulo Lima estima que a produção acumulada de petróleo entre os anos de 2022 a 2031 será de 16,2 bilhões de barris. Considerando que o valor do barril do tipo Brent variará entre 61 e 79 dólares, isso permitirá um acumulado nas receitas de 1,177 trilhão de dólares.

Como ainda deve-se considerar o crescimento de 6% na produção de gás natural, o valor total da geração de riqueza na cadeia petrolífera poderá atingir 1,248 trilhão de dólares, o que deve gerar 305 bilhões em arrecadação de royalties e participações especiais para o setor público. O valor pode ser ainda maior, uma vez que, após o estudo, houve aumento no preço do barril, atingindo em março um valor superior a 90 dólares.

Não faz sentido deixar tanto dinheiro parado no caixa do Tesouro, para gerar superávit primário

De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia 2031 (PDE-2031), a produção nacional de petróleo esperada para o ano de 2031 é de 5,17 milhões de barris por dia. Já o estudo de Lima estima que, entre 2022 e 2031, a indústria do petróleo deve gerar receitas de 117 bilhões de dólares ao Fundo Social do Pré-Sal. Na cotação de 18 de março de 2022, isso representa 620 bilhões de reais. A metade desse montante será destinada à Educação e à Saúde, mas os demais 50% continuarão a compor o saldo da União, deixando de cumprir a função para a qual o Fundo foi criado, que é o desenvolvimento econômico e social do País.

Há anos as entidades representativas das áreas de pesquisas científicas e acadêmicas, assim como importantes setores do ambiente empresarial inovador, vêm defendendo que 25% do Fundo Social do Pré-Sal, ou seja, metade dos recursos sem destinação específica, seja alocado para o âmbito da ciência, tecnologia e inovação.

Trata-se de injetar algo entre 150 bilhões e 160 bilhões de reais em um setor onde sabidamente é possível obter bons resultados, quando os recursos chegam de forma planejada e continuada. Veja o caso da China, que em 1985 possuía o mesmo PIB nominal do Brasil e hoje é a segunda economia do mundo, com índices continuados de crescimento ao longo de três décadas. Os chineses vêm investindo no setor de CT&I recursos enormes e a projeção é de algo em torno de 500 bilhões de dólares nos próximos dez anos.

Já a ciência brasileira, depois de um período de aumento sucessivo nas inversões orçamentárias, passa agora por cortes constantes e continuados. Os valores executados pelo MCTI em 2021 se comparam àqueles de 2002. Retrocedemos duas décadas nestes últimos anos.

As bolsas de estudo pagas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) estão congeladas desde 2013. O orçamento executado pela Capes em 2021 significou metade do montante praticado em 2014. Por sua vez, o CNPq destinou ao pagamento de bolsas no mesmo exercício 60% do total executado em 2015.

Para além das palavras, precisamos dar passos concretos neste caminho, impulsionar e motivar a inteligência nacional a ajudar o País a sair do atoleiro econômico e social engendrado nestes últimos anos e agravado pela pandemia. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5876/16, que propõe a destinação de 25% do Fundo Social do Pré-Sal para a ciência, a tecnologia e a inovação. Ele já passou pela Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação, que aprovou o seu mérito, e a Comissão de Finanças e Tributação aprovou a sua adequação financeira e tributária.

Desde 2019 o PL 5876/16 se encontra na Comissão de Constituição e Justiça da Casa, aguardando a aprovação de um parecer. O PL entrou e saiu diversas vezes da pauta. Precisamos que a CCJ analise e aprove o mesmo com urgência. Como é um projeto de caráter terminativo nas comissões, não necessitará de aprovação em plenário, sendo encaminhado direto para apreciação no Senado. A bola está com a CCJ da Câmara. Está mais do que na hora de fazer este gol em prol da ciência brasileira. •


*Ex-ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação e atual presidente do ICTIM/Maricá.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1202 DE CARTACAPITAL, EM 6 DE ABRIL DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Retorno garantido”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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