Afonsinho

Médico e ex-jogador de futebol brasileiro

Opinião

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Despedida nobre

A transferência de Casemiro do Real Madrid para o Manchester United talvez seja o exemplo mais avançado da relação profissional clube-jogador

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Foto: THOMAS COEX / AFP
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A transferência do meio-campista Casemiro do Real ­Madrid para o Manchester United diz muito sobre o esporte moderno, dentro e fora do campo.

Causou espanto que um titular do melhor clube de futebol da história tomasse a iniciativa de mudar de time em pleno auge, depois de dez anos marcados pela conquista de um número incrível de títulos – entre eles os mais expressivos dos tempos atuais.

“Casemiro é uma lenda”, disse ­Florentino Pérez, presidente do Real ­Madrid, ao falar sobre a saída. “Ele ­ganhou o direito de decidir o que fazer. Por tudo o que nos deu.”

Ao ouvir uma história como essa, penso logo nas razões pelas quais outros jogadores se mantêm em seus times. É o caso, por exemplo, do extraordinário Modric, que, em grande forma aos 37 anos, permanece nas fileiras madrilenas.

Modric é extraordinário. Sendo um jogador excelente, embora – ou por isso mesmo – sem preciosismos, conseguiu ser o melhor jogador do mundo com uma forma de jogar que pode ter revelado uma novidade do “futebol moderno”.

É ele um volante, um bom marcador? Sim. É ele um meia-armador com lampejos de atacante? Também. Seria ele o “polivalente” dos sonhos de técnicos e comentaristas, capaz de oferecer maior dinamismo ao jogo, evitar os tradicionais “cabeças de área” limitados a proteger a defesa?

Tempos antes, Franz Beckenbauer foi o “líbero” que, às vezes, saía da própria zaga para chegar à defesa adversária. Era o elemento-surpresa de então.

Casemiro é exemplo do tipo mais contido, mas o Real Madrid soube armar-se com ele junto a Kroos, uma bela combinação de Beckenbauer e Ademir da Guia e o próprio Modric.

Não à toa, a primeira medida do elegante Zidane, quando se tornou técnico do Real, foi garantir o brasileiro como ponto de equilíbrio do time. Entende-se assim a razão pela qual Casemiro, em sua despedida, fez questão de citar especialmente a importância dos dois companheiros de meio-campo.

O futebol é jogo de ataque e defesa. Não adianta “vestir um santo e desvestir o outro”. Achar esse equilíbrio é a grande dificuldade dos treinadores – sobretudo por depender também das manobras dos adversários.

São clássicos os casos do Zito, no Santos, em seus melhores dias, do atual técnico do Barcelona, Xavi, e de tantos outros que, mesmo sem apresentar brilhantismo técnico, foram fundamentais em equipes históricas.

A mudança de Casemiro talvez seja o caso mais avançado da relação profissional clube-jogador, tendo em vista que saiu por iniciativa própria, ainda bastante valorizado.

O ponto alto foi a saída elogiada, enaltecida e homenageada pelo clube. Sua transferência rendeu lucro ao clube e ao jogador, que fez um contrato longo e valorizado. O grande atestado do equilíbrio da relação entre o clube e o jogador foi a declaração do presidente do clube espanhol.

A transferência do premiadíssimo Cristiano Ronaldo, por exemplo, também surpreende a todos e deixa claro o nível de desenvolvimento dos clubes mais avançados.

O CR-7, um dos jogadores de carreira mais bem administrada, segue levando sua vida de clube em clube, embora já revele desgaste no relacionamento profissional.

Situação marcante foi a mudança esdrúxula do genial e disciplinadíssimo ­Messi do Barcelona para o Paris Saint-Germain. Parece que ele, já na segunda temporada francesa, ainda tem cara de surpresa estando no clube mais caro do mundo.

O que se vê é que os clubes mais estruturados sabem lidar com os valores estratosféricos que o esporte mobiliza atualmente. Eles têm controle da situação, mesmo que passem por algumas turbulências em períodos de transição.

Os mesmos Barcelona e Real Madrid são exemplos disso, e agora também o Manchester United vive esse momento.

O início da temporada europeia, mesmo dentro do calendário prejudicado pela Copa, está sendo auspicioso. Ele renova a esperança no futuro e revigora nossas forças neste momento tenso da vida brasileira.

Refiro-me ao jogo entre Manchester ­City e Newcastle, uma prova viva de que o futebol pode ser criativo em todos os momentos, do começo ao fim de cada jogo.

O City, mesmo tendo começado perdendo por 2 x 0, não abriu mão de jogar o futebol legítimo, em cada centímetro do campo, até conseguir a virada.

Guardiola, o técnico do City, é sem dúvida o melhor técnico do mundo. Sou seu cabo eleitoral para a Seleção Brasileira, já que o cargo vai ficar vago no fim do ano. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1223 DE CARTACAPITAL, EM 31 DE AGOSTO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Despedida nobre”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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