Guilherme Boulos

boulos@cartacapital.com.br

Coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Foi candidato à Presidência da República em 2018, pelo PSOL.

Opinião

Deslumbrados pelo êxito

Os novos ocupantes do Palácio do Planalto deveriam lembrar: nem as vitórias nem as derrotas são definitivas

Deslumbrados pelo êxito
Deslumbrados pelo êxito
Bolsonaro e sua trupe estão deslumbrados (Foto: Tânia Rego/ABr)
Apoie Siga-nos no

No começo do século passado, Freud descreveu situações de homens “arruinados pelo êxito”. Gente que ficara doente justamente quando “um desejo profundamente enraizado e há muito alimentado” atingiu sua realização. Nas últimas semanas, o Brasil tem assistido um outro fenômeno: os “deslumbrados pelo êxito”.

Em 11 de novembro, uma entrevista do comandante do Exército Brasileiro foi reveladora. Depois de dizer durante as eleições que o vencedor nas urnas poderia ter sua legitimidade questionada, o general Eduardo Villas Bôas, que não obstante é uma das vozes mais ponderadas no Alto Comando, foi além.

Na prática, admitiu que seu tuite às vésperas do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula foi “no limite” e era uma mensagem ao STF. Justificou-se dizendo que a situação poderia sair do controle e que militares da reserva estavam extrapolando na ênfase de suas manifestações. Por fim, disse que a relação custo-benefício foi positiva: “Era melhor prevenir do que remediar”.

O item 57 de um decreto federal de 2002 é claro ao dizer que integrantes da ativa das Forças Armadas estão proibidos de realizar manifestações a respeito “de assuntos de natureza político-partidária”. Mesmo após admitir ter infringido essa lei, não houve nenhuma manifestação dos demais poderes e das instituições do País.

Em uma dimensão bastante diferente e mais rebaixada, no fim do mês, um vídeo do MBL sobre a campanha de Bolsonaro viralizou na internet. O filho do empresário Paulo Marinho admite aos seus entrevistadores que enviou milhares de áudios para eleitores imitando a voz de Bolsonaro.

Leia também: Boulos: 'Quem não consegue pagar aluguel no fim do mês é terrorista?'

Chega a relatar um episódio asqueroso, onde enviou uma mensagem a garimpeiros da Serra Pelada: “Estamos aqui agradecendo pelas orações, pela consideração e dizer que conto com vocês aí para o que der e vier. Vocês sabem que terão em mim um defensor implacável de agora em diante, tá ok?”.

E em seguida simula o choro recebido como resposta das pessoas do Norte, agradecendo a Deus pela mensagem recebida. Gabou-se de ter virado uns “50 mil votos” só com esse áudio falso.

O rapaz chegou a cometer o sincericídio de dizer: “Não sei se é crime eleitoral ou não, mas eu estava correndo esse risco”.

Para além da questão da falsidade ideológica e do estelionato, confessa que enganou milhares de brasileiros e explorou seus sentimentos sem qualquer tipo de constrangimento.

Leia também: Boulos: O Brasil não muda sem atacar os privilégios

Essas duas situações remontam a uma história vivida pela Venezuela em 2002. Em 12 de abril daquele ano, o empresário Pedro Carmona anuncia um governo de transição após um golpe militar que o fez ser nomeado presidente interino.

Poucas horas depois, o canal RCTV começa seu jornal matinal celebrando a chegada do novo presidente. E inicia-se uma conversa com tom extremamente festivo entre jornalistas e militares, onde chegam até a agradecer aos meios de comunicação pelo novo momento político do país.

Durante o programa, um deles admite que a declaração de um dos generais sobre a decisão foi gravada na casa de um dos diretores do canal de televisão. Há algumas risadas em tom de nervosismo, mas a conversa segue normalmente. Chegam a explicar o plano original do golpe, os entraves que tiveram e as soluções que encontraram para tirar Chávez do poder. Não havia nenhuma preocupação em mostrar de forma explícita a aliança entre os empresários, parte dos militares e os meios de comunicação que havia orquestrado o golpe institucional que durou menos de 24 horas.

É esse o sentimento que podemos ver nos “deslumbrados pelo êxito”. Em meio a uma crise econômica sem precedentes e a fragilidade cada vez maior das instituições, venceram nas urnas. Ganharam, é verdade, e terão legitimidade para governar. Mas não para trucidar e agir como donos do País, imunes a qualquer tipo de contrapeso institucional e social. A arrogância é um pecado que a história não perdoa. Nem o povo. Aos “deslumbrados pelo êxito” vale recordar a sábia frase de Pepe Mujica: “Nem as vitórias nem as derrotas são definitivas”.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo