Opinião

Desistir não vou

Teimosia e comprometimento não me faltam

Foto: Filipe Araujo Foto: Filipe Araujo
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Volto ao trabalho. No dia 16 de julho, do ano da desgraça de 2020, a revista científica Science, de reconhecida seriedade, publicou estudo apontando que 20% da soja exportada pelo Brasil para a União Europeia podem ter saído de áreas de desmatamento ilegal, da Amazônia e do Cerrado. Pesquisadores brasileiros, norte-americanos e alemães, desenvolveram um software capaz de analisar 850 mil propriedades rurais e associar suas produções em áreas legais ou não.

Nada a estranhar diante do comportamento que as autoridades públicas federais brasileiras, do presidente da República, a seus ministros, clã e acólitos, pensam a preservação do meio ambiente. Basta lembrarmos o senhor Ricardo “Passa a Boiada” Salles.

O editorial do “Valor” (20/7: “Negar o desmatamento é contra o interesse nacional”. Alvíssaras! Pero no mucho.

No Brasil, temos a MB Agro, braço da consultoria MB Associados, fundada pela família Mendonça de Barros, economistas com ativa participação em governos tucanos. Fizeram nome, credibilidade e fortuna junto à FIESP TOWER da economia brasileira.

E o que eles pensam do estudo da Science? “Hipóteses simplificadoras”. Ou seja, duvidam. Criticam a metodologia e, pior, até irresponsáveis, jogam em ombros de interesses políticos o estudo dos cientistas da revista.

Fundamento (?!): “a metodologia [usada como base o CAR – Cadastro Ambiental Rural] pode colocar muitas propriedades rurais na ilegalidade sem efetivamente estarem”.

Será? Foram lá ver? Ah, entendo, pode-se ter misturado com aqueles que aderiram ao PRA, Programa de Regularização Ambiental, que DÁ (eles usam ‘concede’, mais fino) 20 anos até a adequação.

Não viverei para ver a adequação. Por enquanto, sugiro trabalho do Imaflora, Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola, matéria e entrevista que publiquei na versão impressa de CartaCapital (3 de junho 2020).

Determinou-se a estrutura fundiária da região. É bem provável, pois, que eles sejam todos legais, sabem, boas praças, adequados às leis de preservação ambiental, “chapinhas de meu coração”.

Por isso preciso que “se alguém perguntar por mim, digam que fui por aí”. Passados mais de quatro meses confinado, somente pude opinar em meu canto reservado ao agrário brasileiro desta CartaCapital, a partir do que li, ouvi em folhas, telas cotidianas, e informações telefônicas com pessoas que trabalham em campos e serras.

Espero que não mais, amigas e amigos leitores. Muito perto a hora de voltar a ver as lavouras, cheirar as matas, suar o boné, calejar os dedões com as botas.

Comecei na última terça-feira, quando escrevo a coluna. Com todo o cuidado e fé em RIP, o Capitão Marvel da Cloroquina. Eu e fiel escudeira fizemos um bate-volta até a fábrica em Piedade, SP.

Percebi as pernas fracas. Idade e tempo de imobilidade na quarentena. Curta andada pela fábrica, excessivo cansaço, e temor de que as coisas não possam estar andando muito bem. Preocupo-me.

Se os 75 anos de idade começarem a pesar e esse impedimento pandêmico não for logo superado, (“o tempo passa”, como dizia o excelente narrador esportivo – Fiori Gigliotti – 1928/2006 – e chegar no “apagam-se as luzes do Estádio Municipal do Pacaembu”), posso não ter mais tempo para singelos desejos: comer a galinhada com pé-de-porco prometida por amigos de Nova Resende; os goles de cachaça oferecidos em Botelhos, o curau entre Muzambinho e Guaxupé, Poços de Caldas.

Mas somente Minas Gerais, cronistinha?

Jeito nenhum! Rins de bodes ou carneiros, variedades de frutas, moquecas de peixes do Velho Chico, entre Juazeiro (BA) e Petrolina (PE). Produções orgânicas ao redor de Seropédica (RJ), para logo correr e voltar a abraçar os amigos da ESALQ, aquela escola de agronomia onde habita o filho de Lula.

Sei lá, “Vou danado pra Catende”, eu mais Alceu Valença (1975), nessa empreitada pensando e tomando coragem para voltar.

Assim, caminhando e cantando e seguindo a nação [sic] vou escrevendo. A lição que vivemos hoje em dia não me interessa aprender. Desistir não vou. Pelo menos, até extinguir os vermes que habitam o pensamento social brasileiro. Teimosia e comprometimento não me faltam.

– Mas, cronistinha, só nos falta exterminar um deles. Os demais são inativos na infecção. Tenha paciência. Espere mais um pouco aqui conosco. A cada dia é mais certo de que ele se autodestrói pelo som de seu arrastar malévolo, que logo chegará a ouvidos mais sensíveis.

Ah, como impedir que um dos personagens de meu blog no GGN, não viesse intervir nesta coluna?

Inté!

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