Carlos Nicodemos

Advogado. Presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB/RJ, membro do Conselho Nacional de Direitos Humanos e da Comissão Nacional de Direitos Humanos do CFOAB

Opinião

Desaparecimento forçado no Brasil: um desafio para a democracia

Em 2011, a ONU instituiu 30 de agosto como o Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimento Forçado

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
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O processo de redemocratização do Brasil, iniciado em 1985 e referendado com a nossa Constituição de 1988, a Carta Política da moderna democracia, tem impulsionado ao longo dos anos um desafio de aprimoramento da agenda de afirmação dos direitos humanos como um valor e um elemento-chave de validação do Estado de direito.

Nesta toada, vários tratados de direitos humanos e sistemas de monitoramento e controle quanto à respeitabilidade dos direitos humanos, em âmbito regional das Américas e na esfera mundial, têm sido reconhecidos e pactuados, especialmente nas relações multilaterais de organismos internacionais.

Neste contexto, merece um descortinamento histórico a política mundial de enfrentamento ao desaparecimento forçado, que neste 30 de agosto ganhou uma menção por parte da Organização das Nações Unidas.

Em 2011, a ONU instituiu 30 de agosto como o Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimento Forçado, entendendo por “desaparecimento forçado” toda detenção, prisão, sequestro ou qualquer outra forma de privação de liberdade por apoio, consentimento ou atuação direta de agentes do Estado.

Trata-se de uma agenda que remonta ao debate sobre os regimes autoritários, especialmente as ditaduras militares, que no Brasil (1964-1985), não muito diferente de outros países da região, produziram um sombrio capítulo da história de perseguições, desaparecimentos e mortes de pessoas por suas convicções ideológicas.

O propósito da ONU ao instituir a data é trazer não só a demanda de entregar uma resposta no campo de Memória, Verdade e Justiça, mas também estabelecer formas e mecanismos de enfrentamento ao desparecimento forçado nas denominadas modernas democracias.

E é neste contexto que nasce o 30 de agosto como o Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados, data criada para dar ampla visibilidade a esta difícil agenda no campo dos direitos humanos.

Além desse processo de mobilização na perspectiva de uma educação em direitos humanos, o Brasil é desde 2013 signatário da Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas da Organização dos Estados Americanos. Em 2016 o Estado brasileiro passou a fazer parte da Convenção Internacional para Proteção de Todas as Pessoas contra Desaparecimentos Forçados da ONU.

Ambos os tratados internacionais, além de trazerem um conceito na perspectiva dos direitos humanos, apontam a necessidade de os Estados produzirem internamente legislações que possam efetivamente coibir o desaparecimento forçado de pessoas.

Como já mencionado, trata-se de um crime que tem contornos históricos de participação direta de agentes do Estado. Mesmo na democracia moderna brasileira, herdou-se esta prática, que em sua ampla maioria vitimiza no território pessoas pretas institucionalizadas na pobreza e atingidas pelo controle punitivo social das mazelas do Estado.

Recentemente a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA retomou um caso de extrema relevância nacional e internacional. Nacionalmente conhecido Caso das Mães de Acari, trata de um coletivo de mães e familiares que se uniram em busca de justiça e reparação pelas vítimas de uma chacina.

A Chacina de Acari ocorreu em 26 de julho de 1990, quando onze pessoas desapareceram em Magé (RJ). Na ocasião, as vítimas foram retiradas de um sítio em Suruí, bairro de Magé, onde passavam o dia, por um grupo que se identificara como de policiais. As pessoas nunca mais foram vistas.

O conhecido e internacional Caso das Mães de Acari, que em 2023 completa 33 anos, desafia a democracia brasileira a dar respostas não só reparatórias para as vítimas, mas medidas de não repetição da prática do desaparecimento forçado.

E é neste sentido que deixamos aqui duas proposições nesta data internacional alusiva às vítimas do desaparecimento forçado. A primeira, quanto à necessidade do Estado brasileiro de reconhecer o mecanismo de denúncia e de comunicação de casos ao Comitê da Convenção Internacional para Proteção de Todas as Pessoas contra Desaparecimentos Forçados da ONU. Trata-se de uma medida imperativa em respeito especial à democracia e aos compromissos com o mínimo civilizatório do País frente ao mundo.

A segunda questão diz respeito ao Congresso Nacional, que deve cumprir sua missão constitucional e legislar sobre o tema, trazendo não só definições conceituais de desaparecimento forçado, mas mecanismos de enfrentamento, acolhimento às vítimas – especialmente familiares -, além das reparações pelas eventuais violações de direitos humanos. Para isso, merece especial destaque o Projeto de Lei 6240/2013 que tramita no Congresso Nacional e precisa ser aprovado.

E assim, neste dia tão importante para a agenda internacional dos direitos humanos, trabalhemos por um iluminismo institucional do Estado brasileiro. Quea possamos fazer este dever de casa em respeito às vítimas deste crime que nos afeta e atinge a humanidade.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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