Delfim Netto

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Formado pela USP, é professor de Economia, além de ter sido ministro e deputado federal.

Opinião

Delfim Netto: O liberalismo durou pouco

É muito grave Paulo Guedes não ser informado de imediato sobre a decisão de Bolsonaro de aumentar o diesel

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Ao atingir seus cem primeiros dias, é impossível negar o ativismo do governo Bolsonaro. Ao mesmo tempo que produz um turbilhão de ideias (às vezes rapidamente esquecidas, o que não é um mal em si), revela grandes problemas de coordenação interna. O único resultado visível é uma redução das expectativas que o elegeram. Com algumas exceções, o presidente escolheu auxiliares competentes que dão brilho e esperança ao governo, mas há áreas escuras envolvidas em religiosa cruzada reacionária que impede a cooptação de boa parte da sociedade brasileira.

Não deve ser esquecido que Bolsonaro teve grande sucesso devido às circunstâncias eleitorais: um desejo de “ordem” que ele captou bem cedo; a grande exposição midiática pela tentativa de homicídio que o impediu, justificadamente, de se expor ao desgaste dos debates e, não menos importante, pelos que o acompanharam desacorçoados pelos excessos dos últimos governos. Nos seus 58 milhões de votos (39% do eleitorado), talvez entre 12% e 15% são os desiludidos. São os que votaram em “legítima defesa” contra tudo o “que está aí”. São estes que Bolsonaro está perdendo pelas disputas verbais que explicitam o ridículo a que se expõem seus membros mais “ideológicos”.

Afirmar, por exemplo, que “nazismo” é “socialismo” não surpreende a quem se alinha ao pensamento econômico de Ludwig von Mises (ideólogo que tem epígonos no governo), no seu formidável epílogo de 1947, na edição do seu Socialism publicado pelo Liberty Classics, em 1981. A última semana foi dramática. O ilustre ministro Paulo Guedes, o famoso “Posto Ipiranga” que ajudou a eleger Bolsonaro, que insistia “não entender de economia”, mas prometia tirar o governo do cangote do setor privado e devolver a liberdade e a criatividade aos brasileiros, foi surpreendido por um despropósito.

O preço do diesel

Assustada com o ultimato do Sr. Chorão (que está no seu direito), a Casa Civil, com a qual declara “ter um canal direto”, rendeu-se! Sugeriu ao presidente a lamentável suspensão do aumento do diesel aprovado pela Petrobras, cujo presidente, aliás, a engoliu sem soluço. Trata-se do mesmo poderoso senhor que constrangeu os governos Dilma e Temer, destruiu as perspectivas de crescimento do Brasil, além de desmoralizar o Supremo Tribunal Federal ao exigir o impossível: tabelar, para manter nas alturas, os fretes rodoviários.

O mais destrutivo para a credibilidade do governo é que o ministro Guedes estava em Washington, na reunião do FMI, para tentar convencer a comunidade econômica mundial que agora é sério: o País decidiu dar oportunidade a uma política liberal. O fato insólito, no mínimo malicioso, mas muito grave, é que Guedes não tenha sido informado, imediatamente, da decisão do presidente, quando as comunicações se fazem à velocidade da luz. A mais benigna das hipóteses sugere que se trata de uma lamentável falta de coordenação interna do governo. A pior, o leitor deduzirá facilmente.

Um silêncio ensurdecedor

Emparedado e perplexo diante da imprensa internacional sobre a medida que não conhecia, mas lembrava o pior dos governos voluntaristas que Bolsonaro prometeu corrigir, Guedes, depois de alguns segundos, desabafou: “Eu tenho um silêncio ensurdecedor para os senhores”. A medida sugerida pela Casa Civil é um desastre sob todos os aspectos. Não só desmoralizou o “discurso liberal” do governo, como provocou uma perda de valor da empresa da ordem de 10 bilhões de dólares. Esqueceu que a Petrobras não é uma empresa do governo. Ele é apenas um acionista de uma empresa de capital aberto, com papéis (ADRs) cotados no exterior. Vai ser acionada (na corte internacional) a pagar indenização, pelo menos aos acionistas estrangeiros.

É preciso insistir. Não há solução que resolva o problema do excesso de oferta de cargas (estimulada no governo Lula com crédito do BNDES), que previa um aumento do PIB de 4% ao ano e a diminuição da demanda de cargas gerada pela redução do PIB produzida pela recessão do governo Dilma, sem um ajuste do valor do patrimônio, como, aliás, aconteceu mais de uma vez no setor agrícola. O caminhão comprado por 100, hoje vale 70. Com esse preço, os fretes são rentáveis. É o valor do frete que determina o valor do caminhão, não o contrário. Provavelmente, é assim que os caminhoneiros independentes estão resolvendo seus problemas. Não é possível impor à sociedade que pague os riscos de maus investimentos feitos pelos grandes transportadores, os que têm como lobista o Sr. Chorão. Até quando vamos nos render a tal poder?

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