Cultura

Deixe a porta aberta para decisões e oportunidades

Na série Duetos da coluna Diretoria Preta, Silvia Maria e Hasani Santos escrevem a partir da música de sucesso de Bruno Mars e Anderson Paak

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A escritora Toni Morrison disse certa vez que se via como uma jazzista, que pratica incessantemente a arte de inventar e imaginar, fazendo sua escrita parecer sem esforço e graciosa. Já o escritor James Baldwin disse que a música é nossa aliada e testemunha. A partir do ritmo musical a história se torna uma vestimenta que compartilhamos e usamos, e o tempo, por sua vez, será nosso amigo. A música para Baldwin é uma constante que nos lembra do que fomos e daquilo que aspiramos.

A importância desta série de artigos composto em “duetos” é pensar a música como um retrato da sociedade – especialmente nesse momento de pandemia, a música tem sido companheira das horas, de nossos dias e noites. A composição em forma de dueto é uma metáfora que trazemos através de uma conversa entre mãe e filho, que pode ser um antídoto para a solidão nesse atual momento pandêmico, em que o melhor que podemos fazer é manter as medidas de distanciamento social, mas procurando nos aproximar de outras formas.

Pedimos licença para nos aproximarmos a partir desse texto, nos afastando dessa sensação de estar “solo” que a pandemia e as medidas têm surtido em muitas pessoas. O eixo que guiará essa reflexão é a canção “Leave the Door Open” de Bruno Mars e Anderson Paak, que deu o que falar na noite da premiação do Grammy. Para tanto, traremos uma reflexão sobre a pandemia e o distanciamento social, pois o que queremos realmente é “deixar a porta aberta”, mesmo quando estamos distantes.

 

Para mim, Silvia, a canção trouxe à tona memórias de vivências da juventude, a ponto de me impulsionar a ouvir o dia inteiro e dançar pela casa, me sentindo jovem e emocionada.  Fiz parte da geração de jovens negros que se descobriu bonita e potente inspirada pelo forte movimento musical da Montown Records e artistas como Marvin Gaye, Stevie Wonder, Diana Ross, Aretha Franklin, dentre outros. Não me surpreendi ao descobrir que foi essa a fonte para Paak e Mars. O figurino, coreografias, melodia e toda produção está repleta do que aprenderam com as referências antigas, que agora renascem com potência, mantendo vivo o passado no tempo presente.

Para mim, Hasani, a mesma canção representa muito mais que um convite amoroso musicado para alguém desejado e que exala um certo sex appeal. Ela pode ser um documento histórico desse momento de pandemia que aponta para possibilidades de trocas e aprendizagens mútuas entre as pessoas. Ela também pode ser um material que aproxima gerações diferentes, como aconteceu com minha mãe e comigo, a ponto de nos dispomos a ouvir o que a canção trazia de novo e de antigo para relacionarmos com esse presente momento de crise no sistema de saúde e total falta de comprometimento do Governo Federal em lidar com a situação.

Em tempos de obscurantismo e desgoverno em torno das políticas de combate a pandemia e suas consequências, a negação das comprovações do conhecimento científico tem elevado diariamente a taxa de infecção e mortes, muitas vezes de pessoas que insistiram em manter “a porta fechada” para as medidas preventivas e até mesmo para a letárgica vacinação. A arte em forma de música vem, de forma graciosa e sem esforço, nos lembrar de que é preciso olhar para as referências do passado e extrair aprendizados para o presente.

Na série duetos da coluna Diretoria Preta, Silvia Maria e Hasani Santos analisam a partir de duetos na música.

Em um passado não distante, doenças como a varíola, sarampo e tétano também tiraram a vida de milhares, assim como a poliomielite marcou com a deficiência, corpos de crianças antes da descoberta de uma vacina. Hábitos de higiene que aprendemos quando crianças, como a simples lavagem das mãos, a pandemia mostrou que permanecem negligenciados pela população no país. O genocídio do passado pode ser repetido como um ciclo perverso se não houver acesso universal à saúde e garantia do direito ao saneamento básico como premissas fundamentais para o combate dessa pandemia.

É importante em momentos terríveis como esse, saber que temos alguém para amar e estar próximo, mesmo que em pensamentos e memórias. Os dois últimos anos (2020 e 2021) têm sido terríveis em termos de perspectivas de um futuro mais ameno, perdemos amizades, familiares, colegas e amores que faziam parte de nosso dia a dia, mas é primordial não nos deixar sucumbir em meio a tamanha tragédia, porque é preciso assumir responsabilidades com quem vem depois, assim como pelos que se foram.

Para nós, a metáfora da canção de “deixar a porta aberta”, mesmo quando o contexto recomenda que “fiquemos em casa”, traz justamente a contradição que está na origem da palavra “crise”, ela pode ser um momento difícil, mas também de decisão e oportunidades. Nós sabemos que as oportunidades necessitam de portas abertas, como por exemplo um auxilio financeiro que não seja apenas, emergencial, mas sobretudo primordial e constitucional, tal como o disposto na Lei nº 10.835/2004 de autoria de Eduardo Suplicy, que instituiu a Renda Básica Universal, mas não é cumprida.

A música durante séculos é nosso abrigo e nos mostra que não estamos sós, pois os sentimentos contidos nela nos unem, como diz a letra desta canção que nos inspirou: “That you feel the way I feel”. Próximos ou distantes, a certeza de que existe “alguém que também sente o que sentimos” nos acompanhará, como aconteceu conosco aqui em casa, em uma noite de verão de domingo.

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