Leonardo Ramos

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É professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC-MG e professor visitante da Universidad Nacional de Rosario (UNR).

Opinião

Decisões, dilemas e um futuro incerto: afinal, o que fica desse G7?

A declaração final é substantivamente curta, sem grandes afirmações acerca de compromissos firmados pelos membros do grupo

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Em um contexto internacional marcado dentre outros aspectos por uma crescente crise da economia global relacionada à guerra comercial China-EUA, pelas possibilidades e incertezas colocadas pelo Brexit, e pela tragédia na Amazônia, ocorreu entre os dias 24 e 26 de agosto de 2019 a 45ª cúpula do G7 – grupo formado por Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha, Itália, Japão e Canadá – em Biarritz, França.

Tendo em vista o ocorrido na cúpula anterior, em Charlevoix, Canadá, em junho de 2018, quando o presidente estadunidense Donald Trump já a bordo do Air Force One por meio de um tweet cancelou sua anuência à declaração final da cúpula, uma postura diferente foi adotada este ano. Para esta cúpula de 2019, o anfitrião Emmanuel Macron chegou a afirmar que não era necessariamente um objetivo da cúpula chegar a uma declaração final compartilhada por todos os países do G7 – e neste sentido vários analistas criam que não haveria uma declaração final da cúpula, como tradicionalmente ocorre nas cúpulas do G7.

Não obstante, chegou-se a uma declaração final ao término da cúpula – fato este que, em si, já pode ser considerado uma vitória, por parte de Macron particularmente e do G7 em termos gerais, tendo em vista o pessimismo que ronda o G7 há algum tempo e mais especificamente desde 2018. Todavia, tal declaração de líderes do G7 é substantivamente curta, sem grandes afirmações acerca de compromissos que teriam sido assumidos pelos países membros do grupo.

O tema central da cúpula que fora definido pela França era o combate à desigualdade, particularmente em cinco âmbitos específicos: (i) de gênero; (ii) ambiental; (iii) na área econômica; (iv) no combate ao terrorismo e às ameaças à segurança; e (v) no acesso à tecnologia digital.

Contudo, apesar de menções feitas aos cinco pontos nos três principais documentos produzidos durante a cúpula – G7 Leaders’ Declaration; Sahel Partnership Action Plan; Biarritz Declaration for a G7 and Africa Partnership – fica claro que a ênfase da cúpula se deu em seu mínimo denominador comum, a saber, as questões associadas à segurança internacional, particularmente com relação ao papel da África neste contexto. Na verdade, desde 2000 o G7 vem se engajando de forma mais estreita com países do continente africano, vinculando a questão do desenvolvimento econômico da região ao combate ao terrorismo e promoção da paz, o que foi reforçado nesta cúpula.

Laurent BLEVENNEC – PrFr.

Assim, ênfase foi dada para região do Sahel, em função de sua relevância nos debates e preocupações do grupo com relação às questões de segurança e de combate ao terrorismo. Além disso, as questões concernentes à Líbia também se relacionam com a região, bem como as preocupações dos países europeus com relação às migrações originárias da região.

Em suma, a despeito do plano inicial do governo francês, o foco da agenda positiva da cúpula não se deu na luta contra a desigualdade, mas sim nas questões de segurança.

Merece destaque também a posição do grupo com relação à Amazônia, que passa a ganhar um espaço não previsto na cúpula. Destaque para o fato de que, por parte e certas ONGs, como Greenpeace e Attac, por exemplo, a posição de Macron foi vista como oportunista, uma vez que ajuda acordada de 20 milhões de dólares não seria suficiente bem como no final, a Amazônia não foi parte da declaração de líderes do G7 (Barroux, 2019; Watts, Borger & Chrisafis, 2019).

Neste caso, é importante destacar duas questões: primeiro, que o presidente dos EUA, Donald Trump, não participou da reunião que decidiu tal ajuda – mais por uma questão de reafirmação de seu discurso contrário às questões de proteção ambiental e climática do que em apoio ao governo brasileiro; e segundo, que o governo brasileiro, mantendo o tom agressivo presente nas últimas declarações, afirmou que vai recusar tal ajuda financeira para reflorestamento e prevenção de incêndios na Amazônia (Camarotti & Rodrigues, 2019).

Ora, a ausência de Trump das discussões sobre a Amazônia não foi um fato isolado; além dela, a decisão sobre o aumento da ajuda financeira para o Fundo Global de Combate à aids, Tuberculose e Malária foi tomada apenas por Canadá, União Europeia (membro convidado da cúpula), Japão e Alemanha. E a única discussão mais substantiva na área comercial se deu em uma escala bilateral, entre EUA e Japão que avançaram em suas discussões para o estabelecimento de um acordo bilateral de livre comércio – decisão esta claramente vinculada tanto aos interesses dos EUA em um contexto de guerra comercial com a China quanto do Japão tendo em vista suas crescentes tensões com a Coreia do Sul (Kirton, 2019).

Essa mesma tendência já havia ocorrido na cúpula anterior, o que nos chama a atenção para os limites contemporâneos do multilateralismo, e neste processo, da ordem internacional liberal da qual o G7 é um de seus símbolos desde os anos 1970. Em um contexto marcado por processos distintos e complexos, que vão desde a emergência de estados não ocidentais – com destaque para China e a (re)emergência da Rússia – e seu impacto para a ordem internacional, até a recente ascensão de governos conservadores céticos com relação à ordem internacional liberal, essa ordem multilateral vem sendo questionada de vários lados. Resta saber até que ponto o G7 será capaz de se adaptar a esta conjuntura, ou se caminhará rumo a um ostracismo na política mundial.

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