Camilo Aggio

Professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas

Opinião

De um liberal para Tábata Amaral

A deputada é a representação fidedigna de um trabalho bem lapidado de think tanks que se dizem liberais, mas que pregam a redução do Estado

Foto: Will Shutter/Agência Câmara
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Definitivamente, não faço parte da ala dos que periodicamente questionam a posição político-ideológica da deputada Tábata Amaral nas redes sociais. Mesmo porque sequer faço parte da turma que vê a esquerda como uma espécie de selo de qualidade totalizante.

Considero-me, no sentido bobbiano, um liberal de esquerda. Vejo como inegociáveis as liberdades individuais e garantias fundamentais do Estado moderno, entendo que a igualdade política deve conduzir à igualdade social e não tenho qualquer pudor em apontar atrocidades iliberais e antidemocráticas no pensamento da esquerda brasileira, a exemplo de contemporizações e defesas de regimes autoritários que censuram, mantém presos políticos, suprimem a existência de uma esfera pública e suspendem o acesso à internet diante de uma revolta popular.

Sim, estou falando do regime cubano que permanece sendo um tabu intergeracional de esquerda no Brasil. Incluindo aí, infelizmente, o atual favorito para as eleições presidenciais de 2022. Desse modo, sinto-me plenamente confortável para tecer a crítica que farei à deputada.

Tábata Amaral votou a favor privatização dos Correios. E seu voto provocou, mais uma vez, um enfadonho debate nas redes sociais. Mas igualmente enfadonho é o fato da deputada não apenas dar corda para esse debate, como se esforçar, constantemente, para mostrar que é de esquerda. Neste sábado 14, Tábata reagiu a esta nova polêmica em um artigo na Folha de S.Paulo. Descreveu, mais uma vez, sua bonita e inspiradora história e o que que usa como inspira seu trabalho como parlamentar: mitigar as desigualdades sociais com atenção à responsabilidade fiscal – a Fazenda, afinal, não é um vale encantado do infinito. Nada mais legítimo.

A defesa que faz do seu voto, entretanto, é pífia. E diria que bastante incompatível com sua inteligência, subestimando a inteligência alheia. Amaral escreve: “[…] em um país em que 19 milhões de brasileiros passam fome, não me parece acertado que R$ 2 bilhões tenham que sair anualmente dos cofres públicos para que os Correios sejam competitivos.”

Trata-se de uma falácia lógica. Seguindo esse caminho de reflexão, nada nos impede de defender que retiremos cifras bilionárias do orçamento da Educação e da Saúde para alimentarmos os famintos. Afinal, a fome é o limite da degradação da condição humana. Ou seja, não seria mais lógico e sensato se perguntar se o retorno social e econômico de se manter os Correios como um serviço público justifica o investimento anual de 2 bilhões de reais?

Muitos creem que sim, com argumentos bastantes sólidos, a exemplo da importância da empresa ainda pública, que garante a bancarização dos rincões deste País, além do acesso a programas sociais e materiais escolares, transporte de materiais para o sistema público de saúde, dentre outros. De 270 países, apenas 8 possuem correios privatizados. Mesmo os Estados Unidos, que muitos adoram mistificar, mantém seu serviço postal público. E outros tantos países estão buscando a reestatização desse serviço.

Os caminhos que levaram Tábata Amaral a votar a favor da reforma da Previdência não foram muito diferentes. Tábata ajudou a aprovar a reforma da previdência de Paulo Guedes e Jair Bolsonaro justificando que “algo deveria ser feito” para conter uma quebradeira nas contas públicas e na viabilidade da manutenção de benefícios sociais. A deputada fez parecer que não possuía opção, mas isso não é verdade. O candidato à presidência de seu partido, o PDT, tinha uma proposta muito mais humana e razoável para dirimir esse problema fiscal preservando o bem-estar social dos mais vulneráveis: Ciro Gomes, que foi quem se indignou com esse voto e acusou a deputada de “servir a dois senhores”. E eis o ponto fulcral dessa questão.

Não se trata de esquerda ou de direita. Tábata é a representação fidedigna de um trabalho bem lapidado de think tanks que se dizem liberais, mas são escolas de formação que pregam a redução do Estado.

E por que questiono o status de liberal que esses grupos se autoconcedem? Porque, como sujeito cujas convicções políticas e filosóficas estão quase todas na filosofia liberal, refuto, seguindo meu mestre Ian Shapiro, uma ideia de que o liberalismo político se assenta numa concepção de Estado mínimo. Entre a oposição ferrenha ao Estado Absoluto e uma ideia de Estado mínimo, há uma distância enorme com muitas posições e alternativas disponíveis ao longo desse espectro, não é? Estado mínimo pode até ser coisa de gente iliberal como Paulo Guedes, mas não de John Locke ou John Stuart Mill. Não é à toa que esse último foi chamado de “pouco liberal” por um dos moleques do MBL que falou alguma coisa – sabe-se se lá o quê – para a mãe dele.

O think tank RenovaBR, onde foi gestada a figura política de Tábata Amaral é fruto de um esforço de grupos políticos e econômicos para formar mentalidades e quadros políticos que atuem seguindo suas perspectivas. Aquilo que Ciro Gomes chama de partidos políticos clandestinos são, na verdade, escolas de formação ideológica que permitem e pregam a diversidade política, mas cujo objetivo é sedimentar um núcleo de pensamento comum entre a pluralidade de seus quadros.

Seus membros podem até possuir adereços ideológicos distintos, mas a essência está ali e se manifesta nestes momentos-chave. Luciano Huck é um dos sujeitos por trás do RenovaBR, que gostaria de ter se manifestado contra Jair Bolsonaro em 2018, mas foi vetado pelo apresentador da TV Globo. Não é à toa que a coluna de Tábata Amaral deste sábado se parece tanto com as coisas que diz e, eventualmente, escreve Luciano Huck. O campo de batalha é no território das ideias. É nelas que se deve investir. E o investimento dá retorno. Tábata Amaral não me deixa mentir.

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