

Opinião
De cabeça para baixo
A primeira rodada do Brasileiro teve vários resultados estapafúrdios, sendo o mais gritante deles a derrota do Palmeiras para o Ceará


Começaram os campeonatos brasileiros das séries A, B e C. Como sempre acontece, a primeira rodada é cheia de altos e baixos. Isso segue acontecendo mesmo nas circunstâncias atuais, em que uma disputa acaba sendo emendada na outra, sem qualquer intervalo para que se ganhe fôlego.
Esta situação é ruim, sobretudo, para times em formação ou transição. São esses os casos de Botafogo, Flamengo e Corinthians, entre vários outros. Nos chamados “clubes de massa”, o cenário é ainda mais complicado. Apesar de os times estarem acostumados a lidar com isso, sempre há um risco de fadiga e estresse.
Como sempre tenho dito aqui, a descabida onda de torcedores ameaçarem jogadores tende a agravar-se ainda mais em momentos de tensão social, como este que estamos atravessando.
O caso do goleiro Cássio, do Corinthians, deve servir de lição. É preciso que se coloque um freio nisso. Cássio chegou a ir a uma delegacia de polícia para registrar boletim de ocorrência por ameaça de morte, depois de terem enviado áudios ofensivos para o WhatsApp de sua mulher.
Outra prova de que a insegurança está atingindo níveis intoleráveis foi a agressão do técnico da Desportiva Ferroviária, Rafael Soriano, contra a assistente de arbitragem Marcielly Netto. Em partida válida pelas quartas de final do Campeonato Capixaba, contra o Nova Venécia, no domingo 10, ele deu uma cabeçada na bandeirinha. Acabou sendo demitido do cargo no dia seguinte.
Mas voltemos aos campeonatos pelo País. Em sua estreia no Brasileiro, o “Timão” achou um “pato”, pegando o Botafogo desarrumado como time, desarticulado em suas linhas e com os jogadores inseguros. Uns estavam sem ritmo de jogo e outros, ainda, fora de forma por terem acabado de desembarcar de outras plagas.
Mesmo estando “cabreiro”, calejado com essa história de primeira rodada e sabendo do estágio incipiente do Botafogo, me arrisquei a pegar um trem para o Engenhão. Não nego ter sido assustador o momento em que o Corinthians, mesmo também em fase de construção, fez o terceiro gol, ainda no primeiro tempo.
Os jogadores do Botafogo iam se apresentando uns aos outros com o jogo em andamento. A catástrofe parecia iminente. Ela só não se materializou porque o adversário também estava se ajeitando.
O segundo tempo foi mais equilibrado, com um gol a favor do alvinegro estrelado, e terminou arrastado, sem que o time forçasse uma virada. Ficamos no 3 a 1. O espetáculo, de toda forma, foi salvo pela imensa vibração dos torcedores botafoguenses. Empolgados, eles promoveram uma festa grandiosa. A demonstração de confiança no aplauso final dos torcedores aos jogadores do Botafogo mostrou o sentimento predominante do ambiente.
Esse clima bom foi ofuscado apenas por torcedores que, no auge do desespero, vaiaram o lateral esquerdo Jonathas. É necessário um trabalho minucioso para impedir que um jovem seja “queimado” numa situação como esta. Um jovem não estaria ali se não fosse bom de bola. Mas, admitamos: foi jogado numa fogueira.
Todo o restante da rodada teve resultados estapafúrdios em suas variadas séries, sendo a mais gritante delas a derrota do Palmeiras, em casa, para o Ceará, que não vinha “bem das pernas”. A vitória do “Vozão” por 3 a 2 deixou em polvorosa a turma dos “Amigos do Iguatu” e os cearenses espalhados pelo mundo inteiro.
Registro também a alegria na volta da Portuguesa de Desportos à Primeira Divisão do Campeonato Paulista. Não fazia sentido um clube com aquelas possibilidades, a começar pelo seu patrimônio, desviado de seu destino grandioso, assim como outros clubes de tradição, seguir afundado.
Tenho muita proximidade com o Estádio do Canindé e arredores. Passei ali muitas férias escolares e assisti, deslumbrado, à chegada do Constellation, da Panair, trazendo nele meus maiores ídolos, brasileiros campeões mundiais.
A Série B, por sua vez, é um espinho cravado na história do nosso futebol. Basta pensar que lá estão Vasco da Gama, Grêmio de Porto Alegre, Cruzeiro, Bahia, Sport do Recife, Guarani e outros tantos perdidos nos descaminhos do nosso futebol.
Na Bahia, os clubes de maior tradição estão, há dois anos, fora do próprio estadual. Mas viva o Atlético de Alagoinhas, bicampeão baiano. Apesar de isso tudo soar confuso, há, no fundo, uma grande coerência: o Brasil está mesmo de cabeça para baixo. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1204 DE CARTACAPITAL, EM 20 DE ABRIL DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “De cabeça para baixo”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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