Opinião

Crueldade de Israel ao restringir o fornecimento de água a Gaza ultrapassa limites

Que o racismo encontre finalmente seu ocaso, tanto no âmbito individual quanto no coletivo – entre os Estados 

Créditos: Joseph Prezioso / AFP
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“Face a estes graves desvios éticos e políticos a comunidade internacional através da ONU nas reuniões de Mar del Plata (1997), Dublin (1992), Paris (1998), Rio de Janeiro (1992) consagrou o ‘direito de todos a terem acesso à água potável em quantidade suficiente e com qualidade para as necessidades essenciais”

Leonardo Boff
As violações de Israel e do Hamas ao direito humanitário são inúmeras.
Entretanto, a crueldade de Israel ao restringir o fornecimento de água à Faixa de Gaza ultrapassa qualquer limite.
Ainda pior, o ultimato para que a população do norte de Gaza abandone a região aliou a ilegalidade à crueldade.
Como pode aquela população em deslocamento contar com um mínimo de segurança hídrica ou alimentar? São idosos, crianças, mulheres, em um êxodo sobre carroças…
Vale notar a ausência total de ética por parte do estado israelense na proteção de civis pelos quais é responsável, uma vez que é a potência ocupante da Palestina.
Na verdade, essa falta de ética e de respeito pela vida ou pelos direitos humanos infelizmente caracteriza a história do estado judeu.
Em 1948, a Assembleia Geral da ONU indicou um diplomata sueco, o Conde Folke Bernadotte, para ser o mediador (o primeiro da Organização) entre israelenses e palestinos, na criação dos dois Estados.
O diplomata, que libertara 31.000 prisioneiros de campos de concentração alemães, por meio de negociações, foi simplesmente explodido, pouco tempo depois, no atentado ao Hotel Rei David, em Jerusalém, no qual faleceram mais 90 pessoas, entre funcionários da ONU e locais. O Conde era membro da própria família real sueca.
O perpetrador? Menachem Begin, que se tornaria – nada mais nada menos – que primeiro-ministro de Israel e até hoje dá nome ao aeroporto internacional de Tel-Aviv, pelo qual todos os palestinos são obrigados a transitar quando necessitam viajar ao exterior, uma vez que seu próprio aeroporto foi explodido pelos israelenses…
A maldade não tem limite, por definição.
Quem visitar Jerusalém Ocidental verá que, em frente do hotel reconstruído, há uma placa que em poucas palavras diz o seguinte: que o original fora explodido, mas que todos que lá estavam foram avisados a tempo…
Ou seja, as responsáveis por suas próprias mortes foram as vítimas! A genialidade do mal!
Vale notar que essa placa está a 50 metros, aproximadamente, da sede de Parlamento israelense, a Kneset.
Importante dizer também que o apartheid na Palestina é pior do que fora na África do Sul, razão pela qual Nelson Mandela dissera que a libertação do apartheid só estaria completa com o fim da dominação sionista sobre a Palestina.
Com efeito, os palestinos – e os diplomatas estrangeiros – não podem sequer circular pelas estradas pelas quais trafegam os judeus para irem aos seus assentamentos, no próprio território palestino!
Isso não acontecera nem na África do Sul racista!
A propósito, em Franz Fanon: um retrato (editora Perspectiva), Alice Cherki recorda-nos: “Isso diz respeito à sideração do jovem negro [no caso, ele próprio] designado como negro, do sujeito colonizado ou de qualquer outro que, apanhado nas redes de uma violência inaudita, não tem os meios para elaborar a cena. Sideração, retorno dos corpos sem palavras que mergulham no transtorno da autoimagem, sentimento de não existência, às vezes de abandono, além de vergonha, ódio, violência.”
A autora prossegue:
“Somos os herdeiros desses silêncios: a elaboração interditada, o não-poder-ir-além da imagem e de um corpo em excesso. Nossos filhos do presente – e não só na França – andam em círculos entre a vergonha de si mesmos e o ódio de tudo, dizendo que as palavras não dizem nada, marcados no corpo com insígnias, com hieróglifos em busca de decifração. São os herdeiros [deserdados] — também no plano material — de homens e mulheres atingidos pelo trauma histórico. E eles herdam essa violência. Durante a adolescência, na cidade, eles tentam amarrar esses fragmentos de história, esses objetos de memória, essa cólera ou essa apatia anônima, numa multiplicidade de representações que possam dizer como é que o Outro é afetado pelo reconhecimento desse passado. Fanon pressente a sua existência, quanto mais não seja, nos órfãos argelinos de Túnis [filhos de pais mortos na luta por se libertarem da França], todos habitados por um certo instante de silêncio, de sideração, de opacidade ao mundo e de uma violência infinita que os transbordava.”
Cherki recorda ainda uma das tiradas magistrais de Fanon, que muito orienta a interpretação política, inclusive os fatos da guerra na Palestina: “o passado não se conta, testemunha-se”.
Em chave interpretativa do pensamento daquele psiquiatra da Martinica, ela aduz: “Veremos que em seu trabalho socioterapêutico em Blida, ao reconhecer que a expressão das psicopatologias está enraizada nas formas culturais, Fanon começou a se aprofundar no conteúdo dessa cultura desconhecida por ele a fim de oferecer aos seus pacientes estruturas mais próximas de sua vida cotidiana.”
Que o racismo encontre finalmente seu ocaso, tanto no âmbito individual quanto no coletivo – entre os Estados.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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