O psicanalista Jacques Lacan certa vez escreveu que a pior forma de se praticar um mal é sob a alegação de que ele é feito em nome do bem. “Trata-se do bem de quem mesmo?”, indagou o genial provocador. Lembrei-me dessa passagem ao evocar a perseguição cruel que a tenebrosa ministra dos Direitos Humanos de Bolsonaro empreendeu ao tentar impedir o aborto legal em uma criança de 10 anos de idade. A menina havia engravidado em decorrência de um estupro sofrido nas mãos de algum familiar “cristão”. Evangélica, Damares Alves achava-se imbuída da missão divina de salvar uma vida humana. A do embrião, claro. Nem lhe passou pela cabeça defender a mãe, que, por ser muito jovem, correria o risco de morrer no parto.
Já escrevi em defesa da descriminalização do aborto no ensaio “Hipocrisia”, incluído no livro Tempo Esquisito, que reúne textos escritos durante a pandemia de Covid-19. Nesta coluna, espero avançar um pouco em meus argumentos, não a favor do aborto, e sim das gestantes que sentem premência em interromper a gravidez. Que mulher se sente feliz ou realizada ao interromper uma vida, por mais minúscula que seja?
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