Cruel hipocrisia

Moralistas acrescentam, ao drama de quem não pode levar a termo uma gravidez, uma carga de culpa que essas pessoas não merecem carregar

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O psicanalista Jacques Lacan certa vez escreveu que a pior forma de se praticar um mal é sob a alegação de que ele é feito em nome do bem. “Trata-se do bem de quem mesmo?”, indagou o genial provocador. Lembrei-me dessa passagem ao evocar a perseguição cruel que a tenebrosa ministra dos Direitos Humanos de Bolsonaro empreendeu ao tentar impedir o aborto legal em uma criança de 10 anos de idade. A menina havia engravidado em decorrência de um estupro sofrido nas mãos de algum familiar “cristão”. Evangélica, Damares Alves achava-se imbuída da missão divina de salvar uma vida humana. A do embrião, claro. Nem lhe passou pela cabeça defender a mãe, que, por ser muito jovem, correria o risco de morrer no parto.

Já escrevi em defesa da descriminalização do aborto no ensaio “Hipocrisia”, incluído no livro Tempo Esquisito, que reúne textos escritos durante a pandemia de Covid-19. Nesta coluna, espero avançar um pouco em meus argumentos, não a favor do aborto, e sim das gestantes que sentem premência em interromper a gravidez. Que mulher se sente feliz ou realizada ao interromper uma vida, por mais minúscula que seja?

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2 comentários

PAULO SERGIO CORDEIRO SANTOS 14 de dezembro de 2023 15h23
Pessoas como Damaares Alves, são verdadeiros moralistas sem moral. Lembremo-nos das falas e atitudes bizarras dessa ex ministra dos Direitos Humanos de Bolsonaro. Quantos crimes ela praticou em suas falas e ações a frente de tal ministério que deveria ter sido ocupado por pessoas bem mais preparadas, mas em se tratando de Bolsonaro, o que se poderia esperar? O aborto deve ser encarado como uma questão de saúde pública no Brasil. Milhões de mulheres já morreram por praticar abortos clandestinos e utilizarem métodos pouco recomendável, simplesmente por não terem condições de frequentar clínicas particulares, que as de classe alta e média frequentam e fazem sem o menor pudor. A religião é o ópio do povo, já disse o velho Marx, pior ainda quando ela se torna instrumento de opressão e disseminação de ignorância.
CESAR AUGUSTO HULSENDEGER 16 de dezembro de 2023 02h28
Descriminalizar o aborto não é incentivá-lo. Abortar não é uma decisão simples, como disse a articulista. Mas não cabe ao Estado, nem a qualquer igreja ou religião, condenar quem decide nesse sentido. Falando estritamente sob o prisma religioso, é uma questão entre o ser humano e o Deus que cultue.

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