Marjorie Marona

Professora de Ciência Política da UNIRIO e pesquisadora do QualiGov - Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Qualidade de Governo e Políticas Públicas para o Desenvolvimento Sustentável.

Opinião

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Crise fabricada?

O desgaste da imagem do Supremo alimenta tensões e revela os riscos de transformar a Corte em alvo preferencial do embate político

Crise fabricada?
Crise fabricada?
Imagem: Fellipe Sampaio/STF
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Como se tornou praxe sempre que o Supremo Tribunal Federal enfrenta julgamentos de alta voltagem política, como estes que envolvem os atos golpistas protagonizados por Jair Bolsonaro e seus aliados, as críticas à Corte e aos seus ministros voltaram a escalar com força. O mais recente combustível veio de fora: um texto da revista The Economist serviu de gatilho para que articulistas mais apressados decretassem uma crise institucional em curso. Segundo esses críticos, o STF estaria atravessando um processo de desgaste irreversível, com sua reputação em queda livre, o que, alertam, colocaria em risco a própria independência judicial no País.

É um diagnóstico que soa alarmista. E o alarmismo, em conjunturas instáveis como a que o Brasil (ainda) atravessa, mais atrapalha do que ajuda. Especialmente quando se trata de uma instituição que, a despeito de seus excessos e controvérsias, tem atuado como um dos principais pontos de sustentação da democracia brasileira nos últimos anos. Isso, é claro, não significa ignorar a relevância do tema. Ao contrário, a reputação das cortes constitucionais importa. E muito.

Ao contrário do Executivo, que dispõe do “poder da espada”, e do Legislativo, que controla o “poder do dinheiro”, a autoridade do Judiciário repousa sobre um fundamento mais sutil e ao mesmo tempo mais exigente: o reconhecimento social e político de sua legitimidade. Em regimes democráticos, a eficácia das decisões judiciais depende da disposição dos demais atores políticos e sociais de acatá-las. E isso só acontece quando há confiança na imparcialidade e na solidez das instituições judiciais.

Justamente por isso a reputação não é um acessório do Judiciário. Ela é o próprio alicerce sobre o qual a autoridade das cortes se sustenta. Confiança pública, prestígio institucional e credibilidade são ativos tão preciosos quanto frágeis. Sua construção, no entanto, é tudo, menos simples.

A imagem que a sociedade tem de ­suas cortes não se resume à performance de um ou outro ministro, nem à popularidade eventual de uma decisão polêmica. Construir uma reputação judicial sólida exige uma combinação sofisticada de garantias institucionais e práticas cotidianas. A Constituição garante mecanismos que protegem o Judiciário de pressões externas, como vitaliciedade, inamovibilidade e autonomia dos tribunais.

Mas isso não basta. A reputação também se forja no terreno das práticas: decisões coerentes, previsíveis, juridicamente fundamentadas e, cada vez mais, comunicadas com clareza ao público. As cortes constitucionais não falam apenas para seus pares no sistema de Justiça. Falam, também, para a sociedade. E, num ambiente digital e polarizado como o atual, a justificativa pública das decisões não é um luxo retórico, mas uma necessidade democrática.

Críticas são parte natural do jogo democrático, especialmente em instituições tão visíveis quanto o STF. Mas é preciso cuidado para que o debate público não confunda episódios pontuais com diagnósticos estruturais. O risco de transformar o tribunal em bode expiatório é real. E, num país onde as ameaças à ordem democrática ainda não foram completamente debeladas, não é prudente enfraquecer os poucos pilares institucionais que têm resistido às intempéries. •

Publicado na edição n° 1359 de CartaCapital, em 30 de abril de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Crise fabricada?’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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