

Opinião
Crise elétrica, uma questão urgente
A situação atual do sistema elétrico brasileiro exige o aumento do uso de termelétricas para evitar a baixa crítica dos reservatórios hidrelétricos


O cenário elétrico atual sugere a necessidade de ampliar significativamente o despacho das centrais termelétricas para evitar que os reservatórios hidrelétricos atinjam uma situação crítica no final deste ano. Essa situação tem sido recorrente desde a última década.
Ela é fruto da inadequação da regulação setorial, bem como da organização empresarial, adotadas para gerir um sistema elétrico como o brasileiro. Nenhum outro país continental adota solução similar: centralização regulatória, via Operador Nacional do Sistema Elétrico, concomitante com extrema diversificação empresarial.
Essa solução foi adotada no final do século passado, quando foi decidido privatizar o suprimento elétrico nacional, até então essencialmente construído e operado por empresas estatais regionais. Assumiu-se essa diretriz pensando que o sistema elétrico brasileiro continuaria sendo operado com base em centrais hidrelétricas para atender um mercado consumidor centrado no suprimento de eletricidade da região sudeste do país. Com o passar dos anos, ambas premissas se revelaram profundamente equivocadas.
Enfrentar lobbies contrários às mudanças no setor elétrico é difícil, mas imprescindível
A construção de novas centrais hidrelétricas tornou-se inviável por seus efeitos ambientais nocivos para as populações locais, tornando indispensável a diversificação da das fontes de suprimento elétrico. Paralelamente, inovações tecnológicas e a necessidade de arrefecer o processo de mudanças climáticas deram viabilidade econômica às energias eólica e solar. Essa nova realidade modificou radicalmente tanto os fluxos energéticos regionais quanto a composição do parque gerador. O simples olhar no informativo diário da operação do sistema elétrico publicado pelo ONS nos mostra essa nova situação do sistema elétrico do país.
Entre as alterações nos fluxos elétricos regionais do século passado destaca-se a situação da região Nordeste, que deixou de ser importadora para ser exportadora de energia. No plano geracional, as energias eólica e solar, até então praticamente irrelevantes, hoje já representam 31% do suprimento de energia elétrica do país. E essa parcela deverá ser crescente para evitar o despacho térmico, que acelera as mudanças climáticas e onera fortemente as tarifas elétricas. Preservar a água nos reservatórios hidrelétricos tornou-se indispensável menos para a geração de eletricidade e mais para garantir usos mais nobres da água (produtividade agrícola e saciedade da sede humana e animal).
No início deste século, incapaz de enfrentar os lobbies que se opunham às mudanças necessárias no arcabouço setorial, o governo decidiu introduzir uma “gambiarra” tarifária (as bandeiras) para gerir as incertezas hidrológicas nacionais. Essa gambiarra permite ao governo de plantão elevar as tarifas elétricas para atender interesses políticos dos lobbies setoriais em detrimento dos consumidores. O custo desse processo é repassado para os consumidores elétricos (e não de forma equitativa!), sob o argumento de que a pluviometria é um evento imprevisível. E a maior parte dele é repassada para os pequenos consumidores, a quem não é ofertado mecanismo para mitigar os custos das bandeiras tarifárias.
Ainda que a pluviometria seja inconstante, é responsabilidade do governo redesenhar a regulação setorial com o objetivo de mitigar os efeitos dessa incerteza na renda das famílias e seus impactos na economia nacional. Para tanto, é fundamental reconhecer que as realidades elétricas regionais são distintas e continuarão a evoluir de formas diferenciadas, função das características elétricas e socioeconômicas regionais. Mais importante, é indispensável aceitar que as mudanças climáticas deverão se intensificar com o passar dos anos. Em síntese, mudar é preciso. E o governo não pode se furtar à responsabilidade de conduzir o processo de mudança
Enfrentar os lobbies que se opõem às mudanças setoriais não é tarefa politicamente fácil. Contudo, as forças políticas têm que reconhecer que a economia brasileira não pode evoluir, caso permaneça refém das incertezas do clima. Portanto, as energias eólica e solar serão necessariamente parcela crescente do suprimento elétrico brasileiro.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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