

Opinião
Crime organizado e eleições
Fortalecer o controle do financiamento eleitoral e a transparência nas campanhas parece ser uma solução mais equilibrada e duradoura para evitar candidatos criminosos


O combate à infiltração do crime organizado na política é uma prioridade em toda a América Latina. No Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, o Ministério Público e a Justiça Eleitoral têm atuado de forma intensa para impedir que candidatos ligados a facções criminosas ou milícias concorram às eleições. A estratégia fluminense é inovadora e envolve uma cooperação com a Polícia Civil, focada na impugnação de candidaturas suspeitas.
No Rio de Janeiro, essa tendência de ampliar as inelegibilidades para candidatos investigados tem sido justificada pela presença do crime organizado em áreas estratégicas, o que representa uma ameaça direta ao funcionamento democrático das instituições. A Justiça Eleitoral, em colaboração com o Ministério Público, tem se apoiado em provas robustas para justificar a exclusão desses candidatos do processo eleitoral, baseando-se na jurisprudência recente que aceita tais provas como suficientes para a impugnação de registros, mesmo sem uma condenação judicial colegiada, como prevê a Lei da Ficha Limpa.
Essa medida, embora importante para garantir a integridade do processo eleitoral, suscita debates críticos sobre os riscos democráticos de ações repressivas que afetam diretamente as candidaturas com base na reputação dos candidatos. A expansão das inelegibilidades em bases móveis (o que é prova robusta?) abre espaço para uma forma abusiva de judicialização da política, em que o juiz assume um protagonismo indesejado em decisões que, tradicionalmente, estariam nas mãos dos eleitores. Isso não apenas mina o princípio da presunção de inocência, que é uma das bases do Estado de Direito, como também municia o lawfare.
Apesar da nobreza da intenção, ampliar ainda mais o papel do Judiciário nas eleições impulsiona sua politização, convida ao uso político de medidas judiciais, com adversários acionando a Justiça para fulminar opositores, e cria uma atmosfera de insegurança jurídica. Isso porque a crescente influência de juízes e promotores nas eleições apoia-se em um vasto espaço de discricionariedade que frequentemente resulta em decisões inconsistentes, prejudicando a previsibilidade do processo eleitoral e, por consequência, a confiança dos eleitores no sistema.
Em outros países da América Latina, os desafios são semelhantes. Na Argentina, na Colômbia, no México e em Honduras, os órgãos eleitorais atuam para barrar candidaturas de envolvidos em crimes graves, como corrupção e narcotráfico, com a possibilidade de indeferimento, mesmo que ainda existam recursos pendentes. Essas práticas têm o objetivo de preservar a integridade das eleições e impedir a ascensão de candidatos ligados ao crime organizado, assim como no Brasil. Contudo, elas também enfrentam críticas por mitigar o direito à defesa plena e à presunção de inocência, gerando insegurança jurídica.
É preciso estar atento para que o urgente não atropele o importante. Uma abordagem mais segura e de longo prazo pode ser o fortalecimento de medidas preventivas, especialmente aquelas que se concentram no controle do financiamento das campanhas eleitorais. Países como México e Argentina têm adotado estratégias robustas de monitoramento de recursos de campanha por meio de unidades de inteligência financeira, que rastreiam doações e gastos suspeitos, evitando que dinheiro ilícito entre no processo eleitoral. Essas iniciativas são acompanhadas de auditorias frequentes e limites rigorosos para doações de campanhas, além da proibição de fontes de financiamento ligadas a atividades ilícitas.
O Brasil adota algumas dessas práticas, como a exigência de declaração de gastos em tempo real e a prestação de contas das campanhas, monitoradas pela Justiça Eleitoral. Essas ações ainda podem, no entanto, ser fortalecidas. Melhorar a fiscalização e a transparência no financiamento das campanhas pode ser uma forma eficaz de combater a infiltração do crime organizado, sem recorrer excessivamente a medidas repressivas focadas na reputação do candidato, que afetam diretamente a liberdade de escolha do eleitor.
O combate à presença de organizações criminosas na política é, não há dúvida, uma tarefa urgente e necessária. É essencial, porém, que medidas repressivas, como a ampliação das inelegibilidades com base em investigações e provas robustas, sejam aplicadas com cautela para evitar excessos que possam prejudicar a democracia do País. Fortalecer o controle do financiamento eleitoral e a transparência nas campanhas pode ser uma solução mais equilibrada e duradoura, garantindo que as eleições permaneçam justas, livres e verdadeiramente representativas. •
Publicado na edição n° 1331 de CartaCapital, em 09 de outubro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Crime organizado e eleições’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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