Drauzio Varella

drauzio@cartacapital.com.br

Médico cancerologista, foi um dos pioneiros no tratamento da AIDS no Brasil. Entre outras obras, é autor de "Estação Carandiru", livro vencedor do Prêmio Jabuti 2000 na categoria não-ficção, adaptado para o cinema em 2003.

Opinião

Covid-19 cobra a conta da política de avestruz na cadeia

Temos mais gente atrás da grades do que a Índia, país com mais de 1,2 bilhão de habitantes

Covid-19 cobra a conta da política de avestruz na cadeia
Covid-19 cobra a conta da política de avestruz na cadeia
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Com cerca de 800 mil aprisionados, o Brasil tem a terceira população carcerária do mundo. Em números absolutos, perdemos apenas para os Estados Unidos e a China. Temos mais gente atrás da grades do que a Índia, país com mais de 1,2 bilhão de habitantes.

Décadas de descaso e de ausência de uma política penitenciária que se aproxime desse nome deram origem a prisões superlotadas em que os homens são empilhados como em latas de sardinha. Cadeias em que o número de presos ultrapassa o dobro ou o triplo da capacidade das instalações são a regra. Visitei um presídio na Grande Recife com 4,1 mil homens acotovelados num espaço programado para menos de 800. O diretor e eu só conseguimos nos esgueirar no meio deles graças aos préstimos de dois presos que abriram caminho.

A sociedade convive com essa insanidade com a sabedoria dos avestruzes. A filosofia do “eles têm de sofrer para aprender” e a do “bandido bom é bandido morto” conta com multidões de adeptos fervorosos. A principal consequência desse aprisionamento em massa foi o surgimento do crime organizado, praga que se alastrou pelos quatro cantos do País.

Agora, o coronavírus vem cobrar a conta. Como evitar que ele se dissemine nas celas em que os presos dormem no chão, os pés de uns quase colados à cabeça dos outros?

Vejam o que acontece nos Estados Unidos.

Uma prisão estadual de Ohio – Marion Correctional Institute – que alberga cerca de 2,4 mil homens, encontrou 1.828 infectados pelo coronavírus, ou seja, 3/4 do total. Os testes mostraram que 103 funcionários foram positivos, dos quais um veio a óbito. Não houve mortes entre os condenados.

Essa cadeia é considerada a maior das fontes de infecção já documentadas no país. Atualmente, de cada cinco casos existentes em Ohio, um está ligado ao sistema penitenciário.

De acordo com o Times Tracking Data, nos Estados Unidos, os homens mantidos em cadeias ocupam o quarto lugar entre as dez fontes mais importantes de infecção. Esses números provavelmente subestimam o total, uma vez que a maior parte das penitenciárias não testa os detentos, ao contrário do que faz o estado de Ohio.

A British Medical Journal, uma das revistas médicas mais importantes, publicou um editorial com o título: “Libertação segura de prisioneiros poderia reduzir a transmissão para a comunidade”, no qual aconselha a adoção das medidas recomendadas pela OMS, para avaliar risco, adotar medidas de prevenção e de controle da infecção nas prisões.

O editorial diz que: “Além das medidas para melhorar as condições de higiene, testagem e isolamento dos prisioneiros infectados, estratégias de libertação deveriam ser consideradas prioritárias, dada a evidência de que a disseminação em espaços confinados está associada à transmissão comunitária ampliada”.

E acrescenta: “O Irã libertou 85 mil prisioneiros, dando prioridade àqueles com comorbidades, e países como Afeganistão, Austrália, Etiópia, Canadá, Alemanha, Polônia e Reino Unido estudam medidas semelhantes”.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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