André Carvalhal

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Escritor e especialista em design para sustentabilidade.

Opinião

Coronavírus: precisamos encontrar novas formas de fazer tudo aquilo que fazíamos antes

A previsão é de que ainda passemos longos períodos em alguma forma de isolamento

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Quando vai passar? Essa é a pergunta que me faço todos os dias ao acordar. Me levanto, tomo meu banho e troco de pijama. Tenho o privilégio de poder estar trabalhando de casa, mas nem por isso estou trabalhando menos – muito pelo contrário, acho que tenho trabalhado mais. Me divido entre os poucos trabalhos que sobraram, muita pesquisa, produção de conteúdo – como este texto – e trabalhos voluntários.

Bem, pensando na pergunta “quando vai passar?”, a resposta não é simples. Ou pelo menos, pode não ser satisfatória. Depois de procurar muito não encontrei nada definitivo. Ah, estou me referindo prioritariamente a este período de transição, relacionado ao distanciamento social forçado, que tem impactado tanto a vida de todos (inclusive os que não podem “ficar em casa”).

Cada lugar do mundo está se comportando de uma forma. De acordo com a crença dos governantes e com a reação da população, este período pode mudar bastante. Não temos um parâmetro a seguir, nem mesmo a China que foi a primeira a passar por tudo pode ser uma referência – independentemente dos fatores externos, temos visto o vírus se portar de forma diferente em cada lugar.

Agora, se você está se perguntando quanto à covid-19, bem, a verdade é que também não há nenhuma certeza de “quando”, “se” e “como” irá passar. Mas apesar de tantas incertezas, já é possível perceber que o tempo e a forma do distanciamento podem variar de acordo com a taxa de imunidade da população à doença, com o tempo de desenvolvimento de uma vacina, e com a aplicação de testes, tratamento e acompanhamento, como veremos abaixo:

Imunidade: Quando um número suficiente da população – possivelmente 60 ou 80% das pessoas – é resistente ao vírus para reprimir a propagação da doença.

Esse é o objetivo final, embora ninguém saiba exatamente quanto tempo levará para chegar lá. Pode-se chegar lá vacinando as pessoas (caso surja uma vacina) ou se as pessoas desenvolverem imunidade uma vez contaminadas e em seguida curadas em definitivo (mas ainda não há certeza disso, vou explicar abaixo).

Vacina preventiva

Seria uma forma induzida de tornar a população imune. Pelo menos vinte grupos de pesquisa e indústrias farmacêuticas de todo o mundo estão procurando maneiras de formular vacinas contra o coronavírus. Mas apesar de todos os esforços, sendo bem realista, não existe garantia de que chegaremos em uma vacina. E mesmo que cheguemos lá (tomara!) não é possível haver ainda um consenso sobre o tempo.

As vacinas mais avançadas estão sendo desenvolvidas pela China e pelos Estados Unidos. No dia 14 de abril agências de saúde da China concederam autorização para que dois protótipos começassem a ser testados em humanos. No entanto, mesmo que os ensaios sejam bem-sucedidos, a vacina só estaria pronta para comercialização em pelo menos 12 meses, de acordo com a agência estatal Xinhua.

Sob condições normais, o desenvolvimento de uma nova vacina pode levar uma década. No caso de esforços para conter o coronavírus, parte do caminho já foi trilhada com as pesquisas sobre outras doenças, como Mers ou Sars, que pertencem à mesma família, mas há etapas que não podem ser queimadas, como os testes de segurança, para a verificação dos efeitos colaterais – algumas vacinas promissoras ficam pelo caminho porque agravam a doença que buscam prevenir.

Em um cenário otimista, o prazo de desenvolvimento apontado é em torno de 18 meses, de acordo com Andrew Noymer, professor de saúde pública da UC Irvine. Após isso, começa um processo, ainda não mensurado, de tempo de produção, logística de distribuição e vacinação de toda população.

Diagnóstico

Enquanto não alcançamos o estágio de imunidade, uma boa alternativa é a detecção eficaz da doença, para identificar rapidamente os infectados – tratá-los e agir antes que eles possam expor os outros – e também para direcionar as medidas de isolamento.

Acompanhar o número real de pessoas infectadas e também ter certeza do motivo dos óbitos é essencial para saber como a doença está se comportando (as taxas de contaminação e letalidade) em cada lugar do mundo e nas pessoas.

Novos sistemas de “teste e rastreamento” estão surgindo em países como China e Coréia do Sul, onde medidas de distanciamento social estão começando a diminuir, porém não existiam testes fabricados para que se possa testar a população em escala mundial. Esta é uma outra corrida, que já está em andamento – e diferente da vacina, é mais factível.

Coreia do Sul, China, Alemanha e EUA são os países que mais conseguiram realizar testes para saber como a doença está se comportando. Uns porque estão fabricando seus próprios testes e outros porque compraram grande parte do que estava disponível. O Brasil não conta com quantidades suficientes para testagem e ainda não tem fabricação própria em grande escala.

Tratamento e acompanhamento

Para que as pessoas com a doença apresentem sintomas mais leves e para diminuir a taxa de mortalidade geral.

O acompanhamento será importante para entender o comportamento do vírus, e a relação entre o número de doentes e o desenvolvimento de imunidade. Na Coreia do Sul houve casos de pessoas que testaram positivo, chegando a se curar e testar negativo e um tempo depois testar positivo novamente.

Somente através de acompanhamento conseguiremos entender também se existem dois agravantes no novo coronavirus, comuns a outros tipos de vírus: a sazonalidade e a mutação do vírus.

Não são descartadas por especialistas hipóteses de que o vírus possa se comportar diferente no verão e no inverno (de acordo com a variação da temperatura e umidade do ar). Alguns acreditam em novos surtos recorrentes. Alguns trabalham com a possibilidade de que ele possa sofrer mutações, como são os vírus mais comuns de gripe.

Estes seriam os principais complicadores para se chegar em uma vacina – principalmente em curto e médio prazo. Desta forma, o vírus pode permanecer ameaçador, continuando a circular e infectar as pessoas. Ao mesmo tempo, não vacinar, pode tornar a população mais resistente e imune, mas essa comprovação só teremos com o tempo e o custo de muitas vidas.

Distanciamento social

Independentemente do tempo e de quais cenários acima irão se concretizar, o distanciamento social é apontado como a melhor alternativa para conter a disseminação do vírus. A duração, vai depender dos fatores listados acima. Mas o distanciamento social prolongado ou intermitente fará parte de nossas vidas durante um bom tempo e é provável que só termine por completo após a vacina.

Vimos países que resistiram em um primeiro momento, como a Itália, que chegou a fazer uma campanha “Itália não para”, e depois viu o número de casos fugir do controle e teve que adotar medidas de lockdown. E vimos países como a Nova Zelândia que adotou medidas rígidas desde o início e tem um baixo número de casos/óbitos.

É importante compreender que o distanciamento não cura, dependendo da rigidez sequer evita o contágio e nem acaba com a doença. Vimos alguns países adotando diversas formas de distanciamento, com resultados positivos na diminuição de novos casos, porém com a reabertura o número de casos aumentou.

Como disse acima, sua importância está atrelada à contenção, assim é possível ganhar tempo no desenvolvimento das medidas de teste, tratamento e vacina, mas o principal benefício é gerenciar os encargos no sistema de saúde e funerário, que não estava preparado para uma pandemia deste tamanho.

Em grande parte do mundo o que está disponível não dá conta de tratar – foi o caso da Itália (março, 2020) que teve que escolher quem se beneficiaria com os respiradores – e não dá conta de enterrar – como vimos em Nova York (abril, 2020) com a necessidade de abrir valas comunitárias para enterros e o Equador (abril, 2020) que também chegou ao colapso funerário e teve que abandonar corpos na rua.

Em Wuhan, primeira cidade a sofrer com a pandemia, no início de abril a situação estava sob controle, com uma redução drásticas de novos casos, e perto da metade do mês, quando as pessoas começaram a ser liberadas, novamente os casos ressurgiram. No Brasil, existe uma tensão entre adotar o isolamento vertical ou horizontal (vou explicar abaixo as diferenças) e isso, atrelado a capacidade de realizar testes, vai determinar o desempenho da disseminação da doença.

De forma genérica e global, um estudo feito por pesquisadores de Harvard, publicado na revista Science, prevê, no mais pessimista dos seus modelos, que o distanciamento social será necessário até o ano de 2022. O mesmo estudo diz que podemos conviver com o vírus até 2025, em diferentes ondas. É preciso estar preparado.

Tipos de distanciamento social

Vertical ou seletivo: Ficam em casa grupos de mais risco (idosos, pessoas com enfermidades e mais vulneráveis) e pessoas que testaram positivo. Neste caso há mais propensão para o comércio estar aberto, empresas e instituições de ensino funcionando parcialmente.

Distanciamento horizontal ou ampliado: Todos que podem devem ficar em casa. Só saem os quem trabalham em áreas consideradas essenciais (saúde, segurança, médica). Neste caso funcionam apenas comércios considerados essenciais, como supermercados e farmácias, com normas restritas de funcionamento. Empresas e instituições de ensino tendem a estar fechadas.

Bloqueio total ou lockdown: Consiste em fechar tudo, até mesmo serviços essenciais, mantendo apenas mercados, farmácias e hospitais em esquema de restrição máxima. Pessoas precisam de autorização para circular na rua e pagam multa se infringirem a norma.

Enquanto a previsão é de que passemos longos períodos em isolamento, sejam eles direto ou intermitente, precisaremos encontrar novas formas de fazer tudo aquilo que fazíamos antes da covid—19.

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