Josué Medeiros

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Cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB)

Opinião

Contra Flávio Bolsonaro, Lula tem mais condições de reeditar a frente que o elegeu em 2022

A direita tradicional seguirá com sua estratégia de priorizar os arranjos locais – e em muitos estados, vai optar por estar com Lula ou pela neutralidade

Contra Flávio Bolsonaro, Lula tem mais condições de reeditar a frente que o elegeu em 2022
Contra Flávio Bolsonaro, Lula tem mais condições de reeditar a frente que o elegeu em 2022
O presidente Lula durante vistoria em obras em Belém – Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República
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O anúncio feito pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) de que ele foi o escolhido para ser candidato à Presidência por seu pai – o ex-presidente preso, condenado e inelegível por tentativa de golpe de Estado, Jair Bolsonaro – é mais um movimento previsível da extrema-direita brasileira. Previsível porque é Bolsonaro quem tem os votos. Na política, ninguém que detém os votos costuma abrir mão desse ativo.

Eleições são decididas por uma complexa e variável equação, que combina a articulação de blocos de poder (políticos, econômicos, jurídicos e intelectuais) e a capacidade de conquistar maiorias junto à população. Nessa equação, vence-se quando se tem ambos os elementos. Foi assim na eleição de Bolsonaro em 2018, assim como nas vitórias de Fernando Henrique Cardoso, do finado PSDB, em 1994 e 1998.

É possível ganhar uma eleição mais força no segundo elemento – o voto – e do que no primeiro, o bloco de poder. As vitórias presidenciais de Lula e Dilma se inscrevem mais nesse segundo caso. Mas não é possível triunfar contando unicamente com o voto. É justamente isso, contudo, que o bloco de poder hegemônico no Brasil gostaria em 2026: fazer o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, presidente, derrotando em um só movimento a esquerda, com Lula, e a extrema-direita, com Bolsonaro. Daí a reação do ‘mercado’ à notícia de que Bolsonaro escolheu um de seus filhos como sucessor. A bolsa cai, o dólar sobe… e ainda assim os votos não aparecem.

As elites econômicas e políticas acenavam com um acordo de livrar Bolsonaro da cadeia com a vitória de Tarcísio. Para isso, o clã deveria aceitar não apenas emprestar sua liderança a um terceiro, o governador paulista, como sequer estar na chapa presidencial. Nem mesmo como vice, dada a rejeição que o nome Bolsonaro carrega.

Para Jair Bolsonaro, porém, ter seu sobrenome nas urnas é a única decisão lógica. A decisão mais lógica para livrar a si e a toda a família de novas condenações. Diante de todos os crimes cometidos sob seu comando, a única salvação para o clã é mostrar força política — e não estar na urna demonstraria justamente o oposto.

Com Flávio candidato, a polarização entre democracia e autoritarismo que pautou a política brasileira em 2018 e 2022 se reapresentará com toda nitidez. O senador, embora mais ‘moderado’ que os irmãos, fará uma campanha baseada na defesa do pai e de um projeto que cancela direitos previstos na Constituição. Já Tarcísio buscaria disfarçar alguns desses elementos, especialmente a defesa do golpismo, empacotando sua campanha na narrativa de um ‘bolsonarismo técnico’.

Por isso, contra Flávio Bolsonaro, Lula tem mais condições de reeditar a frente ampla democrática que o elegeu em 2022, sem aceitar chantagens do ‘mercado’ ou do Centrão. A direita tradicional seguirá com sua estratégia de priorizar os arranjos locais – e em muitos estados, vai optar por estar com Lula ou pela neutralidade. 

Essa nitidez da polarização permite a consolidação de uma estratégia política mobilizadora e popular. Ele não terá que renunciar ao seu programa. Não precisará abandonar a tática de mobilização social em defesa da taxação dos mais ricos e da soberania nacional, que alavancou sua popularidade no segundo semestre de 2025. Não deverá renunciar à lembrança de como os Bolsonaro lidaram com a tragédia da pandemia, marcada por milhares de morte e pela fome, que poderiam ter sido evitadas.

A estratégia lulista será baseada em um tripé temporal: a defesa das políticas públicas do passado reconstruídas, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida, a saída do Mapa da Fome e a redução recorde do desmatamento; o impacto das novas medidas e programas, como o Pé de Meia, o Agora Tem Especialistas, as Cozinhas Solidárias, as demarcações de terras indígenas e a isenção do Imposto de Renda; e a força mobilizadora das promessas de futuro, como o fim da jornada 6×1, a constituição de direitos trabalhistas para a classe trabalhadora das plataformas digitais e a universalização da Tarifa Zero no transporte municipal.

Atravessando esse tripé, Lula poderá confrontar os Bolsonaro diretamente sobre a questão nacional, diante de toda a traição à pátria perpetrada não só pelo deputado Eduardo Bolsonaro, mas também pelo próprio pai, quando presidente. O recuo de Trump na questão das tarifas e eventuais avanços futuros na relação com os EUA serão um poderoso trunfo eleitoral para o atual presidente.

Por fim, mas não menos importante, enfrentar Flávio Bolsonaro permitirá ao atual presidente contrapor dois projetos distintos de segurança pública: um baseado na violência e na repressão, e outro, democrático, baseado no ataque aos centros de poder do crime organizado e na priorização da defesa das mulheres, das pessoas negras e moradoras de favelas e periferias.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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