Walfrido Jorge Warde Junior

[email protected]

Advogado, escritor e empreendedor. Presidente do Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE)

Opinião

Contra a corrupção, propaganda

No Brasil, o combustível do novo e revolucionário método da Cambridge Analytica foi a Lava Jato

Apoie Siga-nos no

Caros leitores, nesta semana, eu lhes falo sobre um quebra-cabeça que o País está prestes a montar. Creio que se verá, ao fim, é uma imagem clara de como o Brasil se submeteu à bruta espionagem e manipulação de potências hegemônicas. Alimentando a vaidade e a ganância dos seus protagonistas do combate à corrupção – uma corrupção real –, essas ações deram instrumentos para destruir a economia, demonizar a política, polarizar a sociedade e alçar ao poder um governo entregue aos caprichos de seus senhores estrangeiros.

A propaganda é um conjunto de técnicas de indução da vontade para determinar ações que se realizam nos mercados, na economia ou nos sistemas políticos para eleger candidatos, sob as formas democráticas de governo, ou para justificar o poder de ditadores em regimes autoritários. Atribui-se a invenção da propaganda a Thomas Barratt, que no século XIX criou uma campanha para venda de sabão. Nos anos 1920, com o advento do rádio, assistiu-se à difusão de técnicas de persuasão. O aparecimento da televisão, nos anos 1950, e da televisão a cabo, nos anos 1980, desenvolveu e especializou esse processo. Nesta segunda década do século XXI, a propaganda que se estabeleceu a partir dos anos 1990 com a popularização da internet alcançaria níveis de eficiência inimagináveis. O trabalho revolucionário do cientista de dados Christopher Wylie e da Cambridge Analytica, empresa de consultoria política para a qual ele trabalhou, foi capaz de alçar ao poder a altright nos EUA. E depois em muitos países, até no Brasil.

Essa revolução nasce graças a novas técnicas de coleta e análise massivas de informações pessoais nas redes sociais. Com esses dados foi possível definir perfis psicológico-comportamentais e desenvolver uma comunicação propagandística, com mensagens reais e falsas, calibrada para vibrar na mesma frequência de cada um desses perfis. Wylie percebeu a importância e os perigos de sua criação, especialmente na distorção dos processos democráticos e na capacidade de esgarçar, ao ponto de ruptura, as instituições. Fez uma denúncia eloquente no best seller Mindf*ck: Inside Cambridge Analytica’s Plot to Break the World, ainda não lançado no Brasil. Denúncia semelhante faz o cientista político italiano Giuliano Da Empoli, no livro Os Engenheiros do Caos (Vestígio Editora).

No Brasil, esse novo e revolucionário método de propaganda foi, ao que parece, empregado nas eleições presidenciais de 2018 que elegeram Jair Bolsonaro depois que o combate à corrupção, repito, destruiu o mercado de infraestrutura, polarizou a sociedade e demonizou a política. Por aqui, o combustível dessa propaganda foi a Lava Jato. Recentíssimas revelações indicam relações espúrias e ilícitas entre procuradores e agentes do FBI e permitem até mesmo crer que o método denunciado por Wylie e Da Empoli esteve entre nós antes mesmo de 2018. Tive a oportunidade de esclarecer, no meu Espetáculo da Corrupção (LeYa), que todo o trabalho de exportação de um modelo de integridade que os EUA realizam por meio de suas leis de combate à corrupção externa é parte essencial de uma guerra comercial, uma disputa por hegemonia econômica que, evidentemente, pressupõe a manipulação política.

O FBI e a CIA compõem, desde os anos 1940, o sistema de inteligência urdido por J. Edgar Hoover e Adolf Berle – Berle, entre muitas outras coisas, foi embaixador americano no Brasil de Getúlio, conspirando ativamente contra ele. Esse sistema, como a história demonstra, espionou e manipulou a política brasileira. Cooptando, quase sempre, aliados locais ansiosos por destruir seus oponentes. É o caso de Juracy Magalhães, militar e político brasileiro que, nomeado por Getúlio, foi interventor na Bahia em 1931. E que se tornaria, mais tarde, seu antagonista e informante do FBI, como faz prova o documento enviado em 1942 por Hoover ao general William Donavan, então dirigente do Office of Coordination of Information, o COI, órgão que se transformaria na OSS e depois na CIA. Magalhães foi elemento central da proto-história do golpe de 1964 e, não por acaso, seria embaixador do Brasil em Washington no governo de Castelo Branco.

A história repete-se sem que aprendamos a lição. Algo me diz que, daqui a 20 anos, erguido o sigilo sobre documentos produzidos pela inteligência americana hoje, não precisaremos mais de fragmentos probatórios para encontrar os nomes de alguns dos nossos heróis de ocasião. E concluiremos, talvez sob outra crise medonha, que a nossa história é um Ouroboros: a cobra que come o próprio rabo, encerrada num eterno ciclo de combate à corrupção, propaganda, espionagem e entreguismo.

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar