Justiça

Constituições não evitam golpes

Golpistas não estão nem aí para o que a Constituição diz ou deixa de dizer.

Jair Bolsonaro com um grupo de soldados. Foto: AFP
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Ferdinand Lassalle, teórico alemão do século XIX, dizia que as constituições devem representar as circunstâncias factuais de seu tempo, também chamadas de “fatores reais do poder”, sob o risco de se tornarem meras folhas de papéis. 

Embora nos cursos de direito do Brasil os ensinamentos de Lassalle costumem ser o que há de mais progressista, suas posições podem ser consideradas, no máximo, moderadas. Tanto na sua época quanto na atualidade.

Ferdinand Lassale (1825 – 1864)

Lassalle esteve às voltas com Marx e Engels em 1875, ano do congresso onde houve a unificação da Associação Geral dos Trabalhadores Alemães e do Partido Social-Democrata dos Trabalhadores. Ambos divergiam profundamente das teses de Lassalle, reformistas em sua essência e limitadas a um “democratismo que se move dentro dos limites do que é autorizado pela polícia e desautorizado pela lógica”, segundo Marx. Em sua crítica ao programa proposto no congresso, Marx levantou as suspeitas de que Lassalle estaria negociando secretamente com Bismarck e o governo prussiano para levar à frente o seu “socialismo estatal”. As suspeitas acabaram confirmadas.

Lassalle não tinha em seu horizonte a superação do capitalismo, mas acertou ao apontar, por influência do próprio Marx, que o mundo real não está muito preocupado se a Constituição dá autorizações ou não. E quando falamos em mundo real, falamos nas disputas políticas travadas em uma sociedade onde as relações de classe, com seus recortes de gênero e de raça, implicam em interesses que a partir de certo ponto acabam se tornando inconciliáveis. 

Lassalle concordaria com Eduardo Bolsonaro quando o parlamentar falou que basta um soldado e um cabo para fechar o STF

As provocações da turba bolsonarista sobre o artigo 142 da Constituição de 1988, que permitiria uma intervenção militar ao estilo 1964, fizeram o ministro Luís Fux decidir, em caráter liminar, que o texto constitucional não confere às Forças Armadas o papel de poder moderador. Decidiu, em resumo, que é proibido dar golpe.

Em resposta à decisão de Fux, Jair Bolsonaro assinou nota na qual afirma que “as FFAA não cumprem ordens absurdas, como p. ex. a tomada de poder. Também não aceitam tentativas de tomada de poder por outro Poder da República, ao arrepio das leis, ou por conta de julgamentos políticos”. Filho e pai disseram uma obviedade que foge à percepção da esquerda domesticada e dos constitucionalistas que, inebriados em fantasias legais, compartilham das tautologias do ministro Fux: golpistas não estão nem aí para o que a Constituição diz ou deixa de dizer.

Celso Rocha de Barros, colunista da Folha de S. Paulo, escreveu em sua coluna do dia 14 de junho que dizer “não faça isso ou eu dou um golpe” já é uma ameaça de golpe, da mesma forma como “me dê seu dinheiro ou eu te assalto” já é uma tentativa de assalto. Na democracias liberais, não são as instituições que, em última instância, definem quem vence, e sim o uso da força. Bolsonaro já entendeu isso. Se ainda houver dúvidas, a “ponta da praia” está logo ali.

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