Paulo Nogueira Batista Jr.

paulonogueira@cartacapital.com.br

Economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países

Opinião

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Conselho Monetário Nacional e BC

Mesmo com a herança do atual governo, há muito que fazer

Conselho Monetário Nacional e BC
Conselho Monetário Nacional e BC
Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
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Fala-se muito em revisão do arcabouço fiscal e da legislação trabalhista a partir de 2023, admitindo-se, claro, que o atual presidente da República não seja reeleito. Perfeito. Mas não vamos esquecer que seria preciso rever também o arcabouço monetário. Muita barbaridade foi feita nessa área nos últimos anos. (Aliás, em que área não?!)

Vou ser modesto, leitor. Nem quero discutir hoje a autonomia do Banco Central, que prevê mandatos fixos e não coincidentes com o do presidente da República para o presidente e os demais diretores da autoridade monetária. Se for de fato eleito, ­Lula herdará, para a fase inicial do seu governo, o presidente e a maioria dos diretores indicados por Bolsonaro e Guedes. Porém, Lula e seus porta-vozes já indicaram que pretendem conviver com isso. O candidato não tem ânimo ou não se sente em condições políticas de enfrentar essa parada.

Mesmo assim, há muito que pode e deve ser feito na área monetária. Refiro-me a dois temas interligados: a) a composição do Conselho Monetário Nacional (CMN); e b) a lei do marco cambial.

O CMN é o órgão que dá instruções ao BC e toma (ou tomava) outras decisões importantes. O CMN fixa, por exemplo, as metas de inflação para o BC. As dificuldades aqui residem, por um lado, na composição inadequada do CMN e, por outro, no seu esvaziamento por decisões recentes.

O CMN tem atualmente apenas três membros: o ministro da Economia, o secretário da Fazenda do Ministério da Economia, subordinado ao primeiro, e o presidente do BC. A secretaria do CMN é exercida pelo BC. Exercer a secretaria dá controle da agenda e do encaminhamento dos temas, conferindo muito poder e influência. Assim, o BC tem um dos três votos e o comando da agenda. Na prática, dá instruções a si mesmo.

Desde o Plano Real, o CMN era integrado pelo ministro da Fazenda, o ministro do Planejamento e o presidente do BC, com secretaria do BC. Lula e Dilma não mexeram nisso. Com a fusão dos ministérios da área econômica no governo Bolsonaro, o que era ruim ficou pior. Desapareceu não só o Ministério do Planejamento, mas também o da Indústria e Comércio e até o do Trabalho.

Imagino que um eventual governo Lula desfaria essa ineficiente centralização da área econômica nas mãos de um ministro só, recriando os Ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio. O do Trabalho já foi recriado.

Pois bem, por que não incluir no CMN, além do Planejamento, os ministérios da Indústria e Comércio e do Trabalho? E, quem sabe, também o da Agricultura? E por que não tornar o CMN ainda mais representativo, incluindo um representante da área empresarial e outro dos trabalhadores? O governo eleito conservaria a maioria, mas daria voz e voto a representantes da sociedade. O CMN passaria então a ter oito membros. Para evitar um possível viés inflacionário, pode-se prever que a secretaria continue com o BC e que o ministro da Fazenda tenha um papel preponderante, algo como o poder de vetar determinadas decisões, por exemplo.

A ampliação do CMN não seria suficiente, entretanto. Ocorre que, no governo Bolsonaro, o CMN foi esvaziado com a transferência de funções estratégicas para o BC.

Pelo novo marco cambial, aprovado praticamente sem discussão pelo Congresso em 2021, o BC ficou autorizado a liberalizar as transações internacionais de capital, a seu critério, podendo no limite decretar a conversibilidade plena da moeda nacional. Ora, medidas desse porte podem ser defensáveis ou não, há controvérsias entre economistas, mas são inegavelmente de enorme importância, de difícil reversão, e não podem ficar nas mãos exclusivas da combinação de financistas e tecnocratas que costuma comandar o BC – agora com mais autonomia em relação ao poder político eleito.

O BC ficou também autorizado a permitir o uso de moeda estrangeira dentro do País, inclusive para abertura de contas em dólares. De novo, a seu critério exclusivo, sem passar pelo crivo do CMN ou de mais ninguém. O risco é de que a economia brasileira possa ser paulatinamente dolarizada, seguindo o caminho infeliz da maior parte dos países latino-americanos.

A lei do marco cambial tem, certamente, aspectos positivos, de modernização e simplificação das transações com moeda estrangeira. Mas é preciso separar o joio do trigo. Manter as mudanças que trazem eficiência, abandonar as que criam vulnerabilidades para a economia brasileira e trazem o risco de dolarização.

O BC não deve poder tomar decisões monetárias e cambiais que afetam o futuro do País, de forma profunda e difícil de reverter, por decisão autônoma, à revelia do poder político eleito. Não funciona assim em parte alguma do mundo.

Caberia devolver, portanto, a um CMN ampliado e mais representativo as responsabilidades indevidamente transferidas ao BC. Essa revisão do arcabouço monetário seria um passo importante para corrigir distorções introduzidas no passado recente. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1210 DE CARTACAPITAL, EM 1° DE JUNHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Conselho Monetário Nacional e BC”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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