Afonsinho

Médico e ex-jogador de futebol brasileiro

Opinião

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Confusão geral

A surpreendente chegada do Água Santa à final contra o Palmeiras, no Paulistão, vem acompanhada de um inacreditável desacerto de calendário

Confusão geral
Confusão geral
Foto: © Rodrigo Corsi/Ag.Paulistão/
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A aceleração do mundo, bem como a confusão em que vivemos de forma geral, não é diferente no esporte. Assim como em todos os campos, no esporte não se tem mais para onde ir: todos os espações parecem esgotados, o tempo é escasso, as manifestações se sucedem umas às outras. Os estaduais, que todos têm pena de ver acabar, são, fisicamente, os campeonatos mais próximos da gente.

Caseiros, eles vêm mostrando o começo do estágio atual no futebol. A decisão do campeonato estadual do Rio de Janeiro vai ser num Fla x Flu que, à primeira vista é empolgante, mas se repete pela quarta vez seguida. Onde estão os outros times supostamente grandes? Dos pequenos nem se fala mais.

E isso vem de longe. Como jogador, cheguei a disputar um “Torneio da Morte”, destinado a rebaixar dois clubes, para que, na sequência, se fosse diminuindo o número de clubes.

O torneio estadual resiste, mas os tradicionais representantes de bairros, subúrbios (como Olaria, Campo Grande, São Cristóvão, Bonsucesso, Madureira etc.) desapareceram da divisão principal ou foram substituídos por novas agremiações.

No Rio Grande do Sul, o Internacional prepara-se para mais um campeonato, enquanto o Grêmio perdeu, no domingo 19, para o Ypiranga.

Em São Paulo, Santos, São Paulo e Corinthians também dançaram antes das semifinais. No Paraná, o Coritiba perdeu a chance do título e, em Minas Gerais, o Atlético vai para sua 17ª final, tendo o Cruzeiro derrapado no caminho. No Ceará, o Fortaleza vem nadando de braçada.

Dos resultados que surgem na leva das recentes formas de administração dos clubes, a final mais instigante está reservada para São Paulo, que terá o enfrentamento entre um dos grandes e o Água Santa, de Diadema, até então desconhecido pela grande maioria das pessoas. Trata-se, sem dúvida, de um acontecimento sensacional sob todos os aspectos.

O sorrateiro time de Diadema, cidade vizinha da capital, também desconhecida por muitos de fora do estado, classificou-se de maneira espetacular diante do Bragantino, levando seu mando de campo e a torcida alucinada para a Vila Belmiro – já que o campo do Água Santa não tem capacidade para um grande público nem iluminação suficiente.

O Água Santa vai jogar a Final do Paulistão, o maior torneio estadual do País, contra o Palmeiras, o melhor time brasileiro do momento. Com um nome desses e do modo como chegou, Deus me livre de duvidar de uma “zebrona”.

Agora a nota que atesta a confusão geral: o Água Santa pode ficar sem calendário pelo resto da temporada. Isso se deve à janela de transferências do futebol brasileiro.

No dia 4 de abril, a janela se fecha e muitos atletas do elenco do time de Diadema já têm pré-contrato com clubes da Série B do Campeonato Brasileiro. Com isso, estarão indisponíveis para o jogo de volta da decisão, marcado para dia 9, no Allianz Parque.

Esta situação é, em todos os aspectos, semelhante à campanha do Olaria no carioca de 1970. Classificado para a Taça de Prata do ano seguinte, o Olaria ficou sem calendário pelo resto do ano. Fomos quatro jogadores para o Vasco da Gama ­disputar o Brasileiro. No ano seguinte, o Olaria tornou-se campeão da Taça de Prata.

A nota digna de aplauso foi a decisão dos clubes de autorizar os jogadores do Água Santa de serem transferidos após a decisão final, quando já terá ocorrido a janela de transferências.

Deve-se, nesta reta final dos estaduais, ressaltar o excelente trabalho dos dirigentes e treinadores dos clubes de menor projeção que alcançam as decisões de campeonato. Por mais que haja muitas trapalhadas no nosso futebol, ninguém chega a esse ponto sem um trabalho bem elaborado.

Algumas das Sociedades Anônimas de Futebol (SAF) vêm decepcionando os torcedores que, de início, se mostravam empolgados com o derrame dos recursos dos investidores. Muitos deles vêm sofrendo derrotas às vezes humilhantes.

Mas a mim me parece não ser nem tanto ao céu nem tanto à terra. Grandes capitalistas têm projetos, pensam a longo prazo e não se abalam com acidentes de percurso. Justamente por isso, ao contrário das administrações ultrapassadas, não estão trocando os técnicos a toda hora.

O próximo clube a encarar a SAF deve ser o Sport, de Pernambuco, marca consagrada no valorizado mundo do esporte, mas, assim como outros, atolado em dívidas.

Em meio a essa avalanche de negócios sendo fechados, corremos o risco de ver espertalhões vendendo clubes para duvidosos investidores, que, no fim, podem levá-los ainda mais para o buraco. •

Publicado na edição n° 1252 de CartaCapital, em 29 de março de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Confusão geral’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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