Opinião

Compreender o presente para projetar um futuro justo, desejável e amoroso

‘O amor é a busca dos contatos, é a superação dos antagonismos. É união. Tudo o que une traz a marca de Eros’

Foto: iStock
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“A imaginação nos protege porque nos leva ao conhecimento. Imaginar é conhecer.”
Gustavo Barcellos.

Nunca fui bom aluno, sempre mediano, algumas vezes, sofrível, principalmente quando as matérias eram exatas, como a matemática, por exemplo.

Entretanto, na quarta série do antigo ginásio (última série do atual ciclo fundamental), decidi ser bom aluno.

Esforcei-me tanto em matemática, a matéria que mais me desafiava, que, combinado esse esforço com minha inata ansiedade, resultou na resolução de questões sem que, algumas vezes, todos os passos da operação fossem descritos nas provas escritas.

Por sorte, o professor, compreensivelmente algo surpreso no início, não hesitou em aceitar as questões como boas, ainda que algumas etapas da resolução dos problemas estivessem apenas implícitas.

Com o passar dos anos, mais entendo e agradeço a atenção, o carinho e a generosidade daquele professor de matemática, que poderia ter sancionado minha imaginação, mais livre do que minhas mãos.

Compreendo melhor que ensinar é ter empatia, entrar no raciocínio do outro, entender como funciona, aceitar que os processos mentais podem ser diferentes – nem melhores ou piores, apenas diversos.

Ao longo da vida, entendi, também – a duras penas – que, ao contrário dos processos matemáticos, as vivências comportam com menor conforto a queima de etapas.

“Não se fazem omeletes sem que se quebrem os ovos”, me recordou ainda hoje minha amiga Gisela. Uma verdade universal, que remonta a nossas queridas avós.

Erros e acertos compõem nossas vidas. Os resultados desfavoráveis podem, muitas vezes, conduzir-nos por caminhos que não trilharíamos, se os fracassos não nos levassem ao seu desbravamento.

Perdas e ganhos podem ser medidos nessa perspectiva.

Em Mitologias Arquetípicas, Gustavo Barcellos recorda-nos: “…para que do Caos alguma coisa se transforme em Cosmo é preciso que seja o resultado da ação de uma força; essa força se chama Eros para os gregos”.

Cosmo é tudo que existe, ou seja, o que o mito está nos dizendo é que tudo existe porque tudo está unido, há algo que faz com que tudo se una a tudo, que haja uma “coesão interna”. A imaginação grega observa isso, que se alguma coisa existe – e isso é válido tanto para a realidade material quanto para quanto para a realidade imaterial – é porque existe um princípio coesivo, existe algo que mantém tudo ligado, uma liga. Os alquimistas chamaram isso de “cola”, uma coesão interna, um princípio, uma força atraente fundamental: essa força é Eros.

Aqui entram algumas observações interessantes, porque o “princípio coesivo” que mantém alguma coisa unida foi chamado pelos gregos de “amor”. Aquilo que mantém alguma coisa unida tem essa qualidade, a qualidade amorosa. Se alguma coisa está junto da outra, ao fato de elas estarem juntas chamamos amor. O amor é o que une; portanto, não o que separa. É o que atrai uma coisa à outra – que pode ser uma pessoa, uma ideia, uma casa, uma paisagem, um projeto, o que quer que seja.

O amor é a busca dos contatos, é a superação dos antagonismos. É união. Tudo o que une traz a marca de Eros.

E, no momento em que alguma coisa gruda, forma um Cosmo, forma uma ordem. Essa é a noção mais primitiva de Eros, e a compreensão mais primária, mais primitiva do Cosmo.”

Não seria esse o estofo também da cultura e da boa política: a busca do conhecimento por meio da imaginação, do desejo de entender o outro, os outros e o mundo?

Na excelente biografia de um dos pais do comunismo, Friedrich Engels, escrita por Gustav Mayer e editada pela Boitempo, lemos: “Com seu vigor, discernimento seguro e desejo natural de encontrar seu lugar, ele abriu mão de suas horas de lazer para se dedicar ao estudo da literatura inglesa da época…E a leitura cuidadosa da história inglesa o ajudou a formar uma compreensão mais profunda da Inglaterra contemporânea e, assim, uma visão mais clara do seu futuro”.

Muito interessante notar que Engels, rico empresário, intelectual notável e – junto com o conterrâneo Karl Marx – redator do Manifesto Comunista, foi buscar na literatura a chave de compreensão da sociedade inglesa, para onde se transferira, com a desculpa de cuidar de uma das fábricas do pai, mas na verdade em busca de conhecer os mecanismos de dominação e as formas de supressão dos mesmos pela classe trabalhadora.

Ao lado disso, para compreender o presente e imaginar o futuro, pesquisou o passado, a história inglesa, buscando sistematizar padrões e comportamentos de uma sociedade, então, extremamente desigual.

Pode valer como dica para o Brasil: entender os padrões culturais de dominação que se repetem, buscar sua superação e projetar um futuro mais justo, desejável e amoroso.

Nas eleições municipais, parece que conseguimos um maior “espelhamento” do eleitorado: maior número de mulheres eleitas, negras, negros, indígenas, gays e transexuais.

No “espírito do tempo” (“zeitgeist” para os alemães), o eleitorado do Equador assim também se manifestou no primeiro turno das recentes eleições presidenciais, pois pode levar à segunda volta um candidato de esquerda e um indígena. Não é nada pouco, ao contrário, é muitíssimo conhecimento e imaginação no poder!

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