Paulo Nogueira Batista Jr.

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Economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países

Opinião

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Complexo de vira-lata

O que o Brasil ganha com o acordo entre o Mercosul e a União Europeia? Não faz sentido insistir em uma agenda que só interessa aos europeus

O presidente Lula na cúpula do Mercosul, na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert/PR
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As negociações entre o Mercosul e a União Europeia para um acordo econômico abrangente estão entrando no que parece ser a reta final, com representantes do Itamaraty e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços ansiosos para chegar a um acerto. O presidente Lula tem declarado que quer fechar com os europeus até 7 de dezembro, quando passa a presidência do Mercosul para o Paraguai, mas acrescentou que, se não resolver a questão até lá, abandonará as negociações que se arrastam há 20 anos. Espero que elas sejam, de fato, abandonadas e vou explicar a razão.

Os negociadores de Lula cometeram o erro de retomar as negociações com os europeus aceitando como ponto de partida um acordo desastroso herdado de Bolsonaro. Colocaram-se, assim, na posição de pedintes de ajustes a uma péssima resolução. Conseguiram levantar poucos pontos relevantes, não tocando na essência neoliberal do pacto aceito por Bolsonaro.

São tão limitados os pontos levantados pelos negociadores de Lula que mesmo se fossem aceitos integralmente pela parte europeia não resultariam em algo minimamente aceitável. Qual a essência do acordo? A eliminação quase total de impostos de importação, abrindo o mercado brasileiro a uma concorrência desigual com corporações europeias, que têm superioridade tecnológica, vantagens de escala e acesso a crédito em maior volume. Empresas que, ademais, contam com subvenções dos seus Estados, com grande capacidade financeira para apoiá-las.

As empresas brasileiras, recorde-se, sofrem com juros extraordinariamente elevados, crédito escasso, flutuação da moeda, deficiências de infraestrutura e logística, entre outros problemas. As tarifas de importação, suprimidas por esse acordo, são uma compensação parcial pelos vários fatores que minam a competitividade da economia nacional.

A indústria e a agricultura familiar seriam as grandes derrotadas pelo acordo. Um dos seus principais problemas reside no fato de liberalizar quase completamente o comércio daquilo que é produzido pelos pequenos agricultores brasileiros, o que prejudicaria a produção e o emprego na área rural. Eles ficariam expostos à concorrência desimpedida com importações de bens europeus produzidos, não raro, com altos subsídios estatais.

A pergunta que não quer calar é a seguinte: o que ganha o Brasil se esse acordo vier a ser concluído? Acesso adicional para nossas exportações? Muito pouco. Algumas das principais commodities que exportamos já não enfrentam barreiras na União Europeia. E as cotas oferecidas para alguns produtos agropecuários em que somos competitivos são pequenas e insuficientes. Quanto às nossas exportações industriais, a redução das tarifas de importação europeias, prevista no acordo, é residual, uma vez que a tarifa média europeia já é muito baixa, em virtude do nível consolidado na Organização Mundial do Comércio e de acordos de preferência.

Será que aumentariam os investimentos europeus aqui? Nunca precisamos desse tipo de acordo para sermos o maior receptor de investimento direto da América Latina e um dos maiores do mundo. O acordo com os europeus tende, inclusive, a reduzir aportes ou provocar desinvestimentos no Brasil. Para que investir aqui se eles poderão abastecer o mercado brasileiro a partir das suas matrizes, livres de barreiras tarifárias?

Para agravar o quadro, ainda ficaríamos seriamente limitados na ­possibilidade­­ de controlar e tributar as exportações – algo que pode ser necessário por vários motivos, inclusive de segurança, de desenvolvimento da economia e de proteção de interesses estratégicos. Com poucas exceções, o acordo proíbe restrições quantitativas à exportação. E, no seu formato original, proibia impostos sobre exportações.

Pelo que sei, os negociadores brasileiros estão tentando obter dos europeus a concordância para a possibilidade de tributar alguns minerais críticos. Se a lista for pequena, vai apenas arranhar o problema. Se for uma lista taxativa, não resolve. Com o rápido desenvolvimento da tecnologia, o mineral que será crítico amanhã, não é percebido como crítico hoje.

Veja a que ponto chegamos: não temos qualquer limitação legal para aplicar impostos de exportação. Mas, agora, ficaremos reduzidos à posição de pedir aos europeus a possiblidade de algumas exceções à proibição de tributar. Em troca de quê? De novo, é a pergunta que não quer calar.

Francamente, não consigo entender como esse acordo continua em pauta. Deveríamos seguir os passos da Austrália, que abandonou negociações semelhantes em razão da intransigência dos europeus. Enquanto a Austrália age com soberania, o Brasil vacila diante da União Europeia. •

Publicado na edição n° 1288 de CartaCapital, em 06 de dezembro de 2023.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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