Como um jornalista se tornou a pedra no sapato do ‘superministro’

Esta não será a primeira nem a última vez que a missão do jornalismo responsável atravessa os caminhos dos poderosos inescrupulosos

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

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Que a imprensa livre e independente é um dos pilares essenciais de democracias sólidas já deveria ser óbvio. A imprensa é um agente de fiscalização e transparência, revelando à população aquilo que fazem os poderosos e, mais do que isto até, tornando visível as sujeiras que estes mesmos poderosos querem esconder.

Talvez o conceito central aqui seja o de poder. Todos sabemos que o poder embriaga. Em seu livro The Dictator’s Handbook, ou o Manual do Ditador, os autores Bruce Bueno de Mesquista e Alastair Smith contestam a afirmação clássica de que o “poder corrompe”. Segundo eles, mais que corromper, o poder atrai os corruptos. Portanto, se aceitarmos esta conclusão, poder, corrupção e corruptos formam uma receita catastrófica e inerente à política. E um dos principais antídotos contra isto é a transparência, é que os poderosos sempre a flertar com a corrupção saibam que os olhos estão voltados para eles e que, diante de qualquer deslize, seus abusos e crimes serão expostos e que, ainda mais importante, eles serão punidos.

E foi justamente por isto que a Lava Jato conquistou tão facilmente o imaginário do brasileiro. Para muita gente, passava-se a impressão de que pela primeira vez na história do país havia alguma justiça, de que aqueles corruptos na cúpula do poder não eram intocáveis, que poderiam ser atingidos, julgados e condenados, que a prisão não estava destinada apenas aos pobres e marginalizados, segmento, aliás, que causa tanta repulsa ao brasileiro médio quanto os políticos corruptos.

A Lava Jato foi a promessa de justiça, de um genuíno desejo de enfrentamento do câncer da corrupção cujas consequências podem ser observadas no dia a dia dos brasileiros, já que os bilhões movimentados entre a elite política e econômica jamais servirão para melhorar a vida daqueles que realmente precisam, mas contribuirão apenas para consolidá-los ainda mais no poder.

Glenn Greenwald na Câmara (Foto: EBC)


No entanto, o poder tem esta força magnética de atrair os corruptos, mesmo quando estes erguem hipocritamente a bandeira da luta contra a corrupção. E o poder embriaga. Em algum momento, os procuradores da Lava Jato consideraram que, para realizarem seu trabalho de modo mais eficaz, a lei era um entrave. Se quisermos ir mais longe, precisamos dar um passo além e para fora da trilha, e, para isto, devemos jogar pelas nossas próprias regras.

Foi deste modo que a Lava Jato operou e tem operado há anos. Muitos denunciaram isto antes, havia suspeição, questionava-se a ausência de imparcialidade dos julgamentos. Entretanto, somente agora, mediante os vazamentos de conversas entre o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol realizados pelo portal The Intercept, que obtivemos, enfim, a comprovação de como isto se deu e qual foi a natureza da relação entre o Ministério Público e o então juiz responsável pelos casos.

É neste ponto que o papel da imprensa se torna essencial e transformador. Nesta terça-feira 25, Glenn Greenwald esteve numa comissão da Câmara para falar sobre os vazamentos e, mais uma vez, foi obrigado a dar explicações sobre qual é o papel dele enquanto jornalista. Publicar tais informações, independentemente de qual for a fonte e de quais sejam as intenções desta, é a obrigação do jornalista comprometido com os fatos e, acima de tudo, com o interesse público. Este não é um princípio que motiva apenas o Glenn, um jornalista mundialmente reconhecido e premiado; esta é a essência da profissão jornalística, integra a própria ética da profissão.

Esta não será a primeira nem a última vez que a missão do jornalismo responsável atravessa os caminhos dos poderosos inescrupulosos. Não importa se você viola a lei pensando estar fazendo algo bom, em busca do bem comum. Se as leis são frágeis, morosas ou injustas, mude-se as leis, mas um juiz também tem o dever de cumpri-las, aliás, mais do que isto, é quem deve dotá-las de legitimidade. Se nem estes se sentem coagidos pela força da Lei, como esperar que os demais o sejam?

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