Opinião

Como podem ter promovido na carreira militar pessoas como o ajudante de Bolsonaro?

Por que não se desculpam com a nação? Não é o mínimo que deveriam fazer, após esses desmandos com recursos públicos?

O ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), Mauro Cid. Foto Lula Marques/ Agência Brasil.
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“Não adianta você querer fazer poesia política de propósito. O poema tem de nascer da tua revolta” – Vinicius de Moraes

Dignidade é para quem tem, lembravam minhas avós. O que dizer a propósito das forças armadas brasileiras?

Como podem ter promovido aos mais altos níveis da carreira militar aquelas pessoas, como o ajudante-de-ordens do presidente (ilegítimo, colocado lá por elas, graças ao golpe civil-militar de 2016)?

E a força aérea, que transportou joias roubadas em voos milionários, às nossas custas? Além dos 39 quilos de cocaína, no avião presidencial…

A marinha? Cujo almirante trouxe as joias das arábias e colocou dois dos seus para espionarem o presidente Lula, transmitindo aos golpistas todos os passos dos deslocamentos presidenciais.

Por que não se desculpam com a nação? Não é o mínimo que deveriam fazer, tendo executado todos esses desmandos com recursos públicos?

No Níger, após golpe de estado de quinze dias atrás, que prendeu e sequestrou o presidente eleito, tanto o ministro das relações exteriores quanto o embaixador em Washington denunciaram o golpe e solicitaram as mais severas sanções contra os militares golpistas.

Aqui, em 2016, o Itamaraty não se posicionou contra o falso “impeachment”; pior, o chanceler o apoiou e seu porta-voz à época disse à imprensa – e aos quatro ventos – que não houvera golpe…

Em recompensa, ambos foram agraciados pelos golpistas com os melhores postos da carreira: a Missão junto à ONU.

Por falar em Níger, por que o governo brasileiro não se posiciona, tendo sido vítima de tantos golpes militares semelhantes? Só temos interesse em mediar conflitos de brancos? Idem para o Sudão. O Brasil teria voltado só para o Hemisfério Norte?

Mas não se trata de cultura, enraizada, da covardia, uma vez que a história nacional nos recorda inúmeros exemplos de vozes contra a injustiça, para as quais o heroísmo era virtude.

Em Arariboia – o indígena que mudou a História do Brasil (editora Bazar do Tempo), de Rafael Freitas da Silva, lemos a denúncia de São José de Anchieta: “Por fim, o próprio José de Anchieta admite que os portugueses de São Vicente estavam prestes a se perder naquela guerra ‘pelas muitas sem razões que têm feito a esta nação, que dantes eram nossos amigos, salteando-os, cativando-os muitas vezes com muitas mentiras e enganos’…Durante o período mais crítico da guerra contra os ‘tamoios’, já na década de 1560, que fez muitos dos colonos de São Vicente temerem ser exterminados pelos ‘tamoios’, o jesuíta Manuel da Nóbrega bradava dos púlpitos e praças que aqueles indígenas ‘tinham a justiça de sua parte, e que Deus ajudava por eles, porque os portugueses quebraram as pazes, os assaltaram, cativaram e entregaram alguns a outros índios seus contrários, para que matassem e comessem”.

Ainda sobre o Níger e o Brasil, tanto os militares daqui quanto os de lá foram treinados nos Estados Unidos da América, assim como os golpistas em Burkina Fasso, Mali, Gâmbia e Mauritânia…

Mas o governo estadunidense declarou, a respeito, que não pode se responsabilizar pelos atos de militares que tenha treinado…

Seria para rir, não fosse para chorar…

Como seria importante o Brasil ocupar, de fato, seu lugar, seu papel no concerto mundial!

Um exemplo: seria fundamental o País se assumir caribenho, que de fato é, pois todo o litoral do Amapá está acima da foz do Amazonas, limite sul do Caribe.

No entanto, vemos a Petrobras afirmar isso, mas não o Itamaraty, como caberia.

Com efeito, em excelente reportagem de André Barrocal, em CartaCapital, o ex-presidente da empresa de 2005 a 2012, José Sérgio Gabrielli, observa: “A Margem Equatorial é geologicamente uma continuidade de três países (as duas Guianas e o Suriname) que tiveram muitas descobertas nos últimos dez anos, então provavelmente a Petrobras vai achar.”

Barrocal complementa: “A estatal fez reuniões com autoridades de cinco países que poderiam ser afetados por um acidente, em razão de correntes marítimas que arrastariam óleo (as duas Guianas, o Suriname, Trinidad e Tobago e Barbados).”

O posicionamento político pode parecer desnecessário, lateral; no entanto, não é. Trata-se da construção de compreensão hegemônica por parte da sociedade, nacional e internacional, dos direitos coletivos sobre suas riquezas, que não podem ser alienadas.

Assim, a construção da hegemonia pode ser compreendida como anterior e condição sine qua non de toda e qualquer evolução política.

Lenin pode ser lido à parte de Tolstoi e Dostoiévski? Certamente, não.

Espelho e síntese de uma sociedade em rápida evolução, os dois dos maiores escritores da humanidade simbolizam e sintetizam a potência da reflexão da população russa no século XIX, a qual extravasaria na Revolução Russa e os limites da própria Rússia, influenciando os maiores pensadores e pensadoras do século XX, como Sigmund Freud, Ludwig Wittgenstein, Rosa Luxemburgo e Antonio Gramsci, entre outros.

Por fim, como interpretar o fato de que a extrema-direita chegou em primeiro lugar nas recentes eleições primárias argentinas?

Vale notar que o fascismo gira em torno de 25% de nossas sociedades latino-americanas, não havendo surpresa, nesse sentido, de que o fascista tenha atingido os 30% por lá. Os outros dois candidatos estão bem próximos dele e o resultado final poderá reverter o pequeno favoritismo do ultraneoliberal.

Para o país do Che Guevara, de Júlio Cortázar, Ernesto Sabato e Adolfo Pérez Esquivel, pátria de cinco Prêmios Nobel, não deverá ser difícil refletir sobre a desgraça que seria um governo extremista. O exemplo brasileiro poderá ajudar.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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