Opinião

Como pode um representante da UE no Brasil criticar declarações de Lula sobre a Venezuela?

Caberia perguntar se a crítica do ’embaixador’ está coberta pelo Direito Internacional Público

Foto: EVARISTO SA / AFP
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“Fica cada vez mais claro que viveremos, cada vez mais, em um mundo no qual a informação e o conhecimento serão acessíveis, mas também no qual o diferencial serão a crítica e a criatividade” – René Dentz

O debate sobre o advento da inteligência artificial, muitas vezes, não leva em conta o dado de que ela nos impulsionará à montante do pensamento e à jusante da inteligência, buscando as fontes e as raízes, a um só tempo.

Teremos de fazer escolhas de caráter ideológico, que nos orientem em meio ao volume avassalador de informações a que estaremos submetidos.

A direita internacional percebeu isso, talvez antes mesmo da esquerda, que, paradoxalmente, conta com pensadores do quilate de Antonio Gramsci, com razão muito citado e temido pelos conservadores, que têm na teoria dele de hegemonia cultural um fator político preponderante, ao mesmo tempo o Norte de seus temores fantasmáticos.

A direita religiosa também percebeu o tesouro político que as crenças representarão, orientando as escolhas político-ideológicas, em meio ao dilúvio de informações.

A pergunta mais recorrente sobre a eventual substituição do raciocínio humano pela inteligência artificial parece, sob essa ótica, ser falsa.

Na verdade, dos humanos se exigirá um raciocínio mais filosófico, político e ideológico, de sorte a orientar a coleta de dados, opiniões e críticas. Não de substituição, mas de complementação tratar-se-ia.

Em Vulnerabilidade (editora Ideias & Letras), René Dentz afirma: “…você é um sujeito que pode! O indivíduo é visto como uma empresa. No entanto, ao mesmo tempo, estamos em uma sociedade mais fluida, que está ancorada em poucos elos coletivos. O mercado de trabalho, por exemplo, mostra que as empresas gestam ambientes com cada vez menos confiança e com maior rivalidade. Afinal, o sucesso de um seria o fracasso de outro. Se somos todos iguais, precisamos buscar nosso lugar ao sol. Ora, se estamos na lógica do individualismo, vamos buscando o próprio prazer e esquecendo os fundamentos da alteridade.”

Um exemplo prático: na semana passada, o representante da União Europeia em Brasília criticou o presidente Lula por não considerar a Venezuela uma ditadura.

A notícia traz muitas possibilidades de interpretação.

Em primeiro lugar, pelo fato de que a imprensa o qualificou de “embaixador”, o que é falso e não corresponde ao cargo dele, que não representa um país, mas um organismo internacional, a UE.

Em segundo lugar, caberia perguntar se a crítica está coberta pelo Direito Internacional Público. Ora, ao consultarmos a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961, verificamos que não cabe ao Chefe de Missão emitir opinião sobre a diplomacia do país no qual está acreditado, ou sobre qualquer outro tema de política do país que o recebe.

Em terceiro lugar, como pode um organismo internacional questionar um sistema eleitoral mais aprimorado do que o próprio (o voto na Venezuela é duplamente registrado: eletrônico e impresso).

Por último, como se atreve um espanhol, cidadão da antiga potência colonial que tantos genocídios e violações de direitos humanos causou na América Latina e no Caribe, ousar levantar a bandeira da democracia e dos direitos humanos, em meio ao inferno de que foram e são responsáveis?

Fica claro que uma notícia pode ser interpretada de muitas maneiras, todas elas prenhes de visões ideológicas, conforme a escolha de cosmovisão do interlocutor.

Com efeito, o simples viver nos coloca uma infinidade de escolhas à frente.

Com muita propriedade, uma religiosa católica indiana no Norte da África refletiu recentemente, a esse propósito: “A vida não tem uma missão, a vida é uma missão.”

Outra africana, uma diplomata sul-africana, Nomatemba Tambo, filha dos lutadores anti-apartheid Oliver e Adelaide Tambo, brindou-nos com outra verdade límpida: “Soluções africanas para problemas africanos.”

Algo aparentemente óbvio, mas, como nos recordou o grande Nelson Rodrigues: “O óbvio tem muitos inimigos.”
Em Sobre o Amor (editora Vozes), o Pastor Henrique Vieira traz linhas de um pensamento religioso em saída: “O amor é uma decisão por justiça e por estar ao lado das vítimas da injustiça. Como discípulo de Jesus creio que o amor é sempre uma postura de se comprometer com os crucificados da história. É olhar para quem a sociedade estigmatiza, exclui e seleciona para a eliminação. Jesus se identificou com quem passava fome, sentia sede, não tinha com que se vestir, estava preso ou doente, ou sem terra e sem lar. São experiências objetivas sentidas no corpo, é o rosto de gente simples que muitas vezes não tem o básico para sobreviver. O amor amplia o coração, produz consciência, provoca empatia e senso de justiça. O amor desnaturaliza realidades absurdas, chama para a ação que socorre quem precisa e denuncia a causa da injustiça. O amor pede reparação, busca solução, não se satisfaz com a opressão. Nesse sentido, o amor é doer, doar e servir!”.

Um país que tem um deputado federal como o Pastor Henrique Vieira, síntese de pensamentos, culturas e raças, está próximo da verdade e tem por missão levá-la aonde for mais necessária e desejada, para ser semente, planta e árvore da justiça e da paz.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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