Marcos Coimbra

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Sociólogo, é presidente do Instituto Vox Populi e também colunista do Correio Braziliense.

Opinião

Como entender as pesquisas eleitorais

Os levantamentos não são regidos pela aritmética, mas pela estatística. Seus resultados não devem ser vistos como números exatos, mas probabilidades

Fotos: Ricardo Stuckert e Evaristo Sá/AFP
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Há pesquisas até demais, a esta altura da eleição. São tantas, que, às vezes, mais atrapalham do que ajudam. Nunca tivemos tamanha quantidade. Em fevereiro, mês de férias e Carnaval, quando, em eleições anteriores, não se fazia nenhuma, foram seis de âmbito nacional, uma a praticamente cada quatro dias e meio. O que nada teve de excepcional, pois, três meses antes, em novembro, haviam sido dez, uma a cada três dias (salvo alguma imprecisão nos números, pois é difícil contá-las).

Passou a ser impossível acompanhar tantas pesquisas, publicadas com intervalo de dias, com atenção e cuidado. Especialmente, quando apresentam resultados diferentes ou até contraditórios. O raciocínio usado hoje pode ser inútil ­para entender aquela de amanhã.

Para nos ajudar no meio dessas confusões, o melhor caminho é voltar aos ensinamentos básicos a respeito das pesquisas. Todo mundo os conhece, mas nem sempre se lembra deles. O primeiro e mais óbvio é que as pesquisas de opinião, embora lidem com números, não são regidas pela aritmética, mas pela estatística. Seus resultados não devem ser vistos como números exatos, mas probabilidades. Sem entrar em tecnicalidades, quando uma pesquisa diz que Lula “tem” 45% das intenções de voto, por exemplo, não se afirma que, se houvesse uma eleição naquele dia, ele obteria exatamente essa proporção de votos. O que ela diz é que, muito provavelmente, teria entre 42% e 48%, se a margem de erro da pesquisa fosse de 3%.

A pesquisa diz também outra coisa: que qualquer número entre 42 e 48 deve ser considerado probabilisticamente igual. Se ela mostrasse outro candidato com 39% (ou seja, com até 42%) teríamos de vê-los em situação de empate, mesmo que Lula, com 45%, tivesse 6 pontos de vantagem. E isso é para valer. Nada autoriza afirmar que o empate é “puramente” numérico. Pelas regras que comandam as pesquisas, 36% seriam iguais a 48% (embora as chances de que isso acontecesse fossem pequenas).

Quando se aplica essa noção ao momento em que vivemos, decorre que só é possível considerar os resultados das dezenas de pesquisas feitas nos últimos meses se não esquecermos que flutuações aparentemente grandes nos números podem não significar, simplesmente, nada. Lula estar com 45% em uma pesquisa e 40% em outra não quer dizer mudança. Para todos os efeitos, as duas chegaram a resultados estatisticamente iguais, ainda que aritmeticamente diferentes. Lula não “caiu” ou “subiu” de uma para a outra.

Outra cautela a tomar para navegar serenamente no meio de tantas pesquisas é parar de olhar cada uma como se revelasse uma verdade própria. Não há pesquisas certas e erradas, pois é impossível identificar, através de uma, o erro de outras, dado que todas padecem das mesmas limitações. Só um tolo acha que a “sua” pesquisa é a única boa.

Para escapar desse problema, há duas opções: ou se escolhe uma (e tudo fica mais simples, pois as demais podem ser ignoradas) ou se faz como é praxe nos países avançados: procuram-se as médias dos resultados de muitas. Por meio delas, o cenário de intenções de voto fica mais claro, pois as discrepâncias entre pesquisas específicas perdem significado e desaparecem.

É necessário ainda lembrar que há escolhas de técnica e metodologia que impactam os resultados das pesquisas, a ponto de tornar impossível comparar aquelas que são feitas de um modo ou de outro. É o caso da proliferação pós-pandemia de pesquisas “remotas” (com entrevistas por telefone ou internet), que costumam ser muito diferentes das chamadas presenciais (com interação face a face entre entrevistados e entrevistadores). Nessas, a vantagem de Lula sobre Bolsonaro, na média, é o dobro daquela que obtém nas primeiras. É uma diferença tão significativa que desautoriza comparações.

Façamos assim: 1. Nunca olhar resultados de pesquisa como números exatos e nunca esquecer as margens de erro. 2. Nunca nos fixar em uma pesquisa ou outra, sempre preferindo ver o quadro mais geral descrito por seu conjunto. 3. Não misturar pesquisas metodologicamente incomparáveis, em especial as remotas com as presenciais, sempre preferíveis.

São cautelas simples que podem nos poupar de um mal típico de eleições que mobilizam os eleitores e os deixam ­ansiosos. Adotando-as, evitamos a ciclotimia do excesso de otimismo que pode se tornar depressão no momento seguinte (ou vice-versa), apenas porque uma pesquisa deu resultado diferente de outra. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1199 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE MARÇO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Pesquisas, modo de usar”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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